quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Daniel Eustáquio de Oliveira, pai de César Dias de Oliveira: "Tatuei o rosto do meu filho no braço. Embaixo, escrevi ‘herói’."






A persistência de Daniel Eustáquio de Oliveira, de 50 anos, levou para a cadeia os cinco policiais militares acusados de matar seu filho, César Dias de Oliveira, de 20 anos.

O rapaz e um amigo, Ricardo Tavares da Silva, também de 20, foram mortos em 1º de julho.

Na ocasião, os PMs alegaram que tinham baleado os dois após tiroteio.

A ocorrência foi registrada como “resistência seguida de morte”.

Oliveira pediu licença no trabalho e passou a investigar o caso.

Ele deu subsídios aos policiais do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) para pedir a prisão dos PMs, decretada na segunda-feira. Oliveira contou sua história ao JT.


“Trabalhei (na noite do crime) até 1 hora. Sou eletricista da prefeitura de Vargem Grande Paulista. Havia uma festa junina. Pedi para ir embora porque estava com mau pressentimento. Cheguei em casa à 1h30. Naquele sábado, o César e o Ricardo tinham sessões de tatuagem na casa do primo. Precisava ser à noite, porque os dois trabalhavam. O César operava tear em uma indústria têxtil, o Ricardo era repositor em supermercado. Chegariam depois das 3h. Fui dormir. Às 8h30, o vizinho chega desesperado. ‘Ligaram do Hospital Regional de Osasco, o César sofreu acidente.’ Chego ao hospital e me apresento. O atendente fala: ‘A notícia é a pior possível’. Falei: ‘Meu filho morreu’. E comecei a chorar. Perguntei como. ‘Com cinco tiros.’ Além de tentarem roubar meu filho, deram cinco tiros nele. O atendente fala: ‘Peraí, não foi bandido que matou seu filho, foi a polícia’. Olhei para ele, parei de chorar na hora. ‘Como assim a polícia matou?’ Ele disse: ‘Houve perseguição, ele resistiu à prisão, teve troca de tiro e seu filho morreu. Chegou morto e o rapazinho está em coma’. Eu falei: ‘Não, houve um engano muito feio e grave. Vou provar que meu filho não fez isso’. Confio no César. Tinha coração bom, nunca gostou de violência. Saí do hospital indignado e fui para a cena do crime. Como trabalhava com informática, tenho a mente muito analítica. Vi erros grotescos logo de cara. Cheguei perto do policial, na calma, sem acusar ninguém. Perguntei: ‘O que houve aqui? Sou pai do dono da moto’. O PM responde: ‘Segundo os policiais, dois meliantes viram a viatura e empreenderam fuga. O garoto pegou a arma e atirou. Seu filho caiu da moto e levantou atirando’. Olhei para o rapaz e para a cena e falei: ‘Não sou perito. Mas você não acha que tem coisa errada aqui?’ Segundo PMs, meu filho empreendeu fuga. Estranho: se ele tivesse fugido numa CB 300, você acha que a viatura o alcançaria? Segundo: de acordo com a PM, meu filho estava fugindo com o garupa atirando na viatura. A viatura estaria atrás e a moto, na frente. Por que meu filho está com dois tiros no peito, um na lateral do tórax, um na virilha e outro na perna esquerda? E por que o Ricardo estava com três tiros na perna pela lateral e não por trás? Terceiro erro: se eles fugiam, estavam velozes ao perderem o controle quando caíram da moto. Me mostra um arranhão nessa moto. Ela está intacta. Quarto: se meu filho estava fugindo, para perder o controle tem de ter marca da freagem da moto e da polícia. Não tem. Quinto: se os meninos tivessem caído com a moto, estariam machucados. Eles não tinham hematomas. Sexto: os meninos foram supostamente socorridos na hora. Não foram. Pela quantidade de sangue, eles ficaram muito tempo no chão. Sétimo: se ele estivesse fugindo, as marcas de tiros na moto seriam em paralelo ou diagonal. Foram transversais. O PM analisou a cena, olhou para mim e falou: ‘Os policiais fizeram m…’. Chegando ao DHPP, peguei o BO. A cena do crime era incompatível. Os policiais foram burros, nem montar uma cena eles conseguiram. Fui mostrando as divergências. Um investigador veio gritar comigo. ‘P…, você está tirando a polícia? Tem uma testemunha. Um rapaz que mora em Carapicuíba, na Cohab I’. Questionei: o que esse morador de Carapicuíba estava fazendo às 3h no Rio Pequeno? Nos dias seguintes, fui ao DHPP prestar depoimento. Falei que meu filho é inocente e policiais me olharam daquele jeito, pensando ‘todos falam a mesma coisa’. Fui mostrando para eles, na calma, na paciência. Passei cinco dias indo todo dia ao DHPP, levando testemunhas. Uma assistiu à cena do começo ao fim. Com 12 anos, a moça havia perdido um irmão assassinado por policial. Por isso me ajudou. Descobri mais quatro testemunhas, mas elas não foram de jeito nenhum. Fui a uma favela, onde os mesmos PMs estiveram cinco minutos antes. Entrei numa biqueira e colocaram revólver na minha cabeça. Soube que dois traficantes tinham sido feridos. Achei no local um carro que tinha sido atingido pelos disparos. O objetivo era confrontar as cápsulas. Levei tudo ao DHPP. No quinto dia, um investigador falou: ‘Pelo seu depoimento, a gente passou a olhar a perícia e as informações com outros olhos’. Na segunda-feira, meu advogado me telefona: ‘Foram executadas cinco ordens de prisão dos policiais que mataram seu filho’. Meu filho sempre foi tranquilo. Sempre estudou, nunca gostou de bagunça ou farra. Pensava em fazer faculdade de Desenho, adiada porque trabalhava em regime de escala há dois anos. Arma, mas nem de brinquedo entrou na minha casa. No videogame, tinha joguinhos bobos, de estratégia, nada de tiros. Quando não estava trabalhando, estava no computador ou vendo desenho. Assistia Bob Esponja, Padrinhos Mágicos. Este era o César que eu criei e eduquei. Tenho medo de retaliações. Ouço uma moto, já me preparo. Sei que corro risco. Tatuei o rosto do meu filho no braço. Embaixo, escrevi ‘herói’. Aos 20 anos, ele já era homem. Nunca fez nada errado. Quero olhar para o rosto dele todo dia, até o fim da minha vida.”


Um comentário:

  1. Que lindo! Esse é um verdadeiro Pai;
    Daqueles que quando partem deixam
    uma enorme laguna e faz muita.......
    FALTA!.
    Edna Brazil - Paulo Afonso?Ba.

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