quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Nas ondas do Rádio



Quando eu era criança escutava:

Incrível, Fantástico, Extraordinário!

Morria de medo...

E, balança, balança...

Balança, Mas Não Cai!

Morria de rir...

Tenho 56 anos, estas lembranças são de quando eu devia ter algo como próximo de dez...

Morava em Porto Alegre...

Meu pai sintonizava por ondas curtas, ou médias; sei lá?!

No imenso rádio de madeira valvulado sobre a arca escura da sala...

Até a BBC de Londres fazia parte da rotina como nosso portal para o mundo...

Minha mãe lavava roupas no quintal, com Rinso e bonecas de anil, escutando Redenção ou A Cabana do Pai Tomás...

Lembro que tinha um tal de Albertinho Limonta e um enredo sobre aquela coisa de ser filho legítimo ou adotado que assombrava todo imaginário dos meninos de então...

Redenção acabou se tornando nome do maior parque de Porto Alegre, já que de tão grande parecia não ter fim...

Desde a mitologia grega ou encenações operescas em tabernas o homem necessita ser colocado a sonhar...

O rádio consegue esta fantasia...

Não é como o produto acabado da Tv sem espaço para exercício da imaginação...

Mesmo após a primeira Tv lá em casa, o rádio permaneceu intocável acima do móvel nobre da sala ao lado da cristaleira ostentando duas taças da cerimônia de casamento dos meus pais e abaixo dos retratos azuis e arredondados de meus avós...

Na casa da minha tia solteira se escutava chorosos tangos e boleros com luzes apagadas num ritual por algum amor perdido...

Minhas primas aumentavam o som para um Elvis Presley que eu não via graça alguma com as duas dançando em volta...

Também existia já um programa policial na Rádio Itaí, logo após Palavras Amigas...

Chamava-se Aconteceu...

A sonoplastia era caprichada com tiros, portas rangendo e rádio-atores se perfazendo como vítimas esgueladas ou policiais alternados dando voz de prisão à algum meliante...

Certa vez, ainda menino, cheguei ao anoitecer na casa da Tia Ilda na Vila Jardim...

Ela estava sozinha, num sábado a noite, com suas filhas em algum baile...

Baile naqueles idos tempos era algo em que moça adolescente frequentava monitorada por pelo menos três solteironas encalhadas a evitar qualquer beijo de algum atrevido sequer na face...

Pôs bueno...

Resolvi exercitar tudo que aprendi no rádio, logo com minha tia desavisada...

Inventei uma estória improvisada onde providenciei uma releitura do Negrinho do Pastoreio:

- Tia, a senhora escutou Aconteceu ontem?

- Não!

- Um menino muito pobre, muito mesmo... Mas, muito mesmo, foi mandado ao armazem para comprar dez pães com o último dinheiro do pai...

- Sei!

- No caminho um sujeito ruim, ruim mesmo, ofereceu bilhete da Loteria Federal exatamente no valor do dinheiro do pão... O garoto relutou muito, mas caiu na armadilha após o trambiqueiro jurar que ele poderia comprar todos pães do mundo caso o bilhete fosse sorteado...

- Sempre falo para vocês não pararem para conversar com quem não conhecem...

- Pois é tia, o garoto voltou para casa sem o pão, mas com o bilhete...

- Tomou vara de marmelo, não é Jorge?

- Isto mesmo, tia... Apanhou muito de cinto, ficou vergão nas duas pernas... Foi trancado com salmoura no quartinho escuro dos fundos...Todos foram dormir e esqueceram o tal menino por lá... Pela manhã, o vendedor do bilhete bateu na porta da residência... Para avisar que o bilhete foi o primeiro prêmio milionário da Federal...

- Meu Deus, é verdade, Jorge?

- Juro, tia!

- Soltaram o menino do quarto escuro?

- Pois é, chegaram lá, abriram a porta e encontraram o menino com os olhos arregalados...

- Estava morto, Jorge?

Neste exato instante eu que fique estático se deveria confessar a molecagem diante da minha tia estupefata ou completar a piada...

Resolvi correr todos riscos:

- Desculpa, tia, ele estava cagando!

Tia Ilda ficou irada comigo, disse que aquilo eu deveria contar para minha madrinha talvez imaginando que praga de madrinha é definitiva...

Durante semanas permaneci com medo que tia Ilda contasse minha babaquice para minha mãe...

Que nada, virou piada familiar...

A cada almoço da família inteira eu era obrigado a repetir sem graça alguma a mesma história já sem o mesmo impacto da surpresa..

Até que certo dia num destes almoços de macarrão, frango e Charrua Limão resolvi dar pitacos sobre Agnaldo Timóteo e Cauby Peixoto então machões ídolos incontestes...

- São dois frescos!

Tomei pimenta na lingua...

Ao invés disto minha mãe deveria ter enviado carta para a Rádio Nacional de então me apresentando como mais novo menino prodígio do fenômeno da premonição...




Jorge Schweitzer






Um comentário:

  1. rsrs,,,,eu cheguei esbaforida em casa e disse pra mamãe que tinha visto um rádio que aparecia gente.... ela me deu um coque...e disse que eu era mesmo muito mentirosa...rsrs
    (coque=cascudo; era a dita TV.

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