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Julho de 1997...
La Paz, Bolívia...
Ao sair do Hotel Copacabana, naquela manhã de segunda-feira (será lunes ou martes? nunca sei...) gelada no centro de La Paz, vejo periódicos multi coloridos estampando a manchete surpreendente:
'ENCONTRADO CORPO DE ERNESTO CHE GUEVARA'
Até então acreditava que o movimento intenso de repórteres de vários idiomas, no hall, tinha por explicação a Final da Copa América realizada no dia anterior quando o Brasil venceu a Bolívia com arrancada no fim do jogo de Ronaldo Nazário, naquele início de Julho de 1997...
Estava em meu último dia na cidade após ser recebido numa reunião na empresa Hansa, a maior do país com interesse em vários ramos de atividades...
Tentando fazer parte deste momento histórico, qual um Forrest Gump tupiniquim desesperado, negocio 3.000 bolivianos com um aflito proprietário de jeep louco para fechar contrato de incursão as montanhas de Vallegrande...
Desisto ao descobrir que 800 quilometros me separam do vale que inclui subidas infindáveis até descer a 2.000 metros de altitude...
Não faço contas de percurso em linha reta e sim de altura: estou a 3.800 metros do nível do mar, na capital da Bolívia...
No saguão do hotel, sorvo uma xícara de chá de coca a espera do efeito alucinógeno que certamente não virá, já que uma criança de cinco anos, acompanhada dos pais, pratica o mesmo ritual na poltrona ao lado...
Assisto na TV a entrevista de uma anã de pés deformados que teria sido o último civil em contato com o Comandante que passou pelo mesmo local onde ainda vive com sua família toda composta de anões...
Che pagou-lhe para não revelar que havia passado por seu vilarejo; a CIA cobriu cinco vezes a aposta, um dia após, e obteve a informação para chegar aos guerrilheiros alquebrados...
Só compreendo uma frase que ela balbucia constrangida tentando aproveitar a notoriedade e mostrar simpatia por Guevara: “És mi compañero”...
O entrevistador, com voz pausada que me permite traduzir, sublima: "Diz a lenda que onde Che colocou o olhar, nasceu uma nova nascente de rio..."
A população boliviana se divide entre cultuar o mito único ou julgá-lo como intruso guerrilheiro sem causa, confusos entre o discernimento natural e a doutrina tutelar americana do Continente miserável...
Da janela do hotel é possível visualizar o estádio de futebol ao largo; do outro lado da rua um painel imenso aos fundos de uma faculdade com inconfundível silhueta de Che ao lado de um Banco Real e uma loja da companhia aérea LAB...
Nas ruas de incalculáveis subidas e descidas, ao procurar pelo ar rarefeito, respirando nervosamente, constato odor forte da folha de coca mastigada por grande parte da população carente de dentes cariados e da preocupação dos homens em manter sapatos brilhando como pedestal da indumentária rota...
Cholas de polleras e seus maridos de pequenos chapéus em rostos redondos se dividem entre varrer ruas com vassouras improvisadas por galhos de árvores bancadas pelo poder público ou o mercado informal de comidas fritadas ao ar livre que lembram Nova Deli...
Brasileiros, estudantes de medicina no País, descobriram maneira de potencializar o efeito da folha da coca - segundo me confidencia um taxista – borrifando, com a ponta do dedo indicador, bicarbonato de sódio na parte interna das bochechas e mascando espécie pequena da folha - a coca-chica - para após fumar um cigarro comum - dando efeito próximo da alucinação da cocaína...
É a criatividade brasileira à serviço do coisa-ruim...
Caminho pela noite gelada na avenida central – denominada por eles de Sarajevo, tamanha a quantidade de obras inacabadas – sem nenhuma preocupação em ser assaltado, apesar de estar num país paupérrimo...
Confirmando a teoria que pobreza absurda não é codinome de violência saqueadora incompreensível...
Me sinto como gringo endinheirado ao ser abordado na entrada de bordeis e boates de shows que quase me empurram para dentro, embora eu só estivesse circulando medindo meus passos pelas calçadas da noite como um menino no espelho que fica contando passadas impares a sorver momentos únicos de um país que preserva tradições fascinantes...
Antes de deixar La Paz rumo à Santa Cruz de La Sierra, descubro que estava hospedado no mesmo Hotel em que Che pernoitou confortável antes de subir para a cordilheira ao encontro do sacrifício...
No avião, após decolar do Aeroporto de El Alto, contemplo a cordilheira a imaginar onde seria o local exato da execução de Che quando um clarão rompe do meio das árvores, como se lanterna potente sinalizasse apesar de não estar escuro...
Pelo auto-falante, o comandante do vôo informa que aquela luz eram campesiños sinalizando com espelhos virados para o sol obedecendo ritual sempre que passa uma aeronave sobre suas florestas...
Adormeço, com a revista de bordo ao colo, após sumir o verde..
Sonho sem ver...
Montanhas...
E...
Uma nova nascente de rio...
Encoberta pelas nuvens...
Jorge Schweitzer
Para mim, este terrorista sanguinário não faz a menor falta. Não sei por que tanta bajulação para este sujeito.
ResponderExcluirUé...
ResponderExcluirE vc sente falta de quem? De Hitler?
E Bittencourt.
Muito menos. Aliás, os dois são da mesma laia (acrescenta ainda Fidel Castro).
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