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Maria circula pela Lapa há décadas...
Canta em voz alta...
Todo o repertório do Roberto Carlos...
Também gosta do Wando...
Do Agepê...
Do Benito de Paula...
Dança...
Conversa com seus fantasmas transparentes...
E ri...
Ri muito...
Maria é feliz...
Todos a conhecem...
Dia desses o atual Diretor do IML me contou que Maria sumiu da área...
Existe uma lenda que o esposo de Maria morreu e ela foi procurar pelo corpo no Instituto Médico Legal da Rua dos Inválidos...
Foi na década de 70...
Passou a dormir nas escadarias do necrotério...
Para sempre...
Aguardando pelo corpo de seu amado...
Tal homenagem...
Jamais saiu de lá...
Funcionários do IML disponizaram armário onde Maria guardava suas coisas...
Interessante...
Maria tem aspecto de mendiga mas jamais pediu nada à ninguém...
Maria sempre se serviu em restaurantes razoáveis da área...
Certa vez almocei numa mesa ao seu lado no Cantinho Mineiro...
O restaurante estava cheio...
Numa das mesas o policial "Maluco Beleza" com sua indumentária preta com direito a chapelão e pistola num coldre e revolvér 45 no outro além do distintivo pendurado no peito...
Maria comia e via TV...
Um senhor tentou lhe fazer agrado, acreditando tratar-se de pedinte...
Colocou, ao lado de seu prato, metade de sobra de uma Coca-Cola 600ml e se prontificou pagar sua conta...
Virou um bololô desgramado...
Maria virava barraqueira quando confundida...
Maria jamais aceitou nada...
Sempre pagou suas contas...
Maria ficou enfurecida!
Agora, com a remoção do IML...
Maria sumiu...
Nunca mais vi Maria...
Mas tenho sempre visto Juca...
Juca é outra figura da velha Lapa...
Esquizofrênico...
Total...
Sempre o vi assim...
Juca ainda não sumiu...
Ontem fiquei lhe olhando...
Ele me sorriu com seus dois únicos dentes...
Tenho vontade de tentar entrevistá-lo...
Saber até onde possível interagir com sua mente feliz...
Registrar estas sombras que nos acompanham em silêncio...
Não sei...
Pode parecer exposição indevida ou invasão do seu delírio...
Juca anda sempre de bermuda e sem camisa...
Com qualquer temperatura...
Negro...
A cabeça sempre raspada...
Todos conhecem o Juca doido...
Todos conhecem a Maria cantora...
Ninguém sabe de onde vieram...
Nem para onde andam...
Talvez sejam um reflexo amargo de nossas existências sem sentido...
Sem rumo...
Nesses quase quarenta anos contemplando ambos...
Já vivi ou morri de amores indevidos...
Sai e voltei ao bairro de maneiras acidentais...
Ou...
Flanei nos melhores paraísos...
Mergulhei nos piores infernos...
Eles continuavam por lá...
Entre a Rua Gomes Freire e a Rua da Relação e dos Inválidos...
Sempre iguais...
Chuva ou sol...
Sábado, Domingo, Segunda, Terça, Quarta, Quinta ou Sexta...
Em suas rotas rotinas inalteradas...
Engraçado...
Jamais vi Maria infeliz...
Nem Juca...
Jorge Schweitzer
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