sábado, 5 de fevereiro de 2011

Fé, Esperança e Guaraná Antárctica...

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Odeio mendigo que me pede algo quando estou mastigando...

Acho covarde chantagem...

Nem cachorro de rua gosta de ser incomodado enquanto está mastigando um osso...

Só que...

Todos mendigos do Rio de Janeiro adestraram a modalidade de constranger para demonstar nitidamente a diferença entre o alimentado cidadão e o excluído...

Ontem eu comia um pastel de forno com copo de açaí - não estranhem, tenho hábito de fazer misturas inimagináveis - na porta de uma casa de sucos...

Uma moça maltrapilha e muito magra fez aquela cara de desesperada com o rosto tombado de lado me implorando um 'guaraná Antártica, moço'...

'Guaraná Antárctica', não me deixou nem opção de lhe retribuir com uma Coca Cola...

Achei muita folga...

Fiz 'não' com a mão já que estava com a boca ocupada...

Ela então pediu um copo de água da torneira para o camarada do balcão...

O camarada pediu que ela saísse dali...

Saiu caminhando sem reclamar, de cabeça baixa...

Fiquei acompanhando sua reação antes de sumir...

Ela puxou seus próprios cabelos com a mão direita enquanto segurava um trapo e uma sacola plástica com a esquerda...

Depois, deu dois tapas em seu próprio rosto...

Ela não fez isto na frente da lanchonete para impressionar, a cena aconteceu quando ela já estava longe e solitária...

Fiquei petrificado...

Me senti muito mal...

Me senti um idiota em não capturar alguém na beira do desespero completo quando o mundo lhe vira as costas e talvez um simples gesto solidário possa lhe reservar alguns segundos de esperança que nem tudo ruiu...

Paguei rapidamente minha conta, abandonei meu açaí pela metade e pedi um guaraná Antárctica em lata...

Sai rápido no encalço da moça...

Não a encontrei...

Evaporou-se misteriosamente...

Voltei para o carro e dei uma porrada no painel...

Coloquei a tal lata de guaraná Antárctica ao lado imaginando dar de presente para o próximo mendigo que encontrasse como penitência...

Deslizei lento com meus pensamentos em arribação de culpa maldizendo todos os deuses que não creio...

Algum deles me ouviu...

A moça maltrapilha reapareceu como por encanto caminhando trôpega na calçada do outro lado da pista...

Tomei um enorme susto:

- Achei!

Fiz o primeiro retorno sem perdê-la de vista, já que a sorte não fica replicando oportunidades...

Estacionei ao seu lado...

- Aqui está seu Guaraná Antártica!

Ela fica sem entender, provavelmente sem lembrar da minha existência há minutos atrás...

Seu aspecto de usuária de crack, tinner e cola de sapateiro característico de seus dentes superiores intactos e os inferiores corroídos quando me abriu um sorriso forçado...

Ao lado do guaraná coloquei uma nota de vinte reais dobrada em várias partes para que ela não percebesse a esmola vagabunda quando sua mão envolvesse a lata...

A nota desliza a cai próxima de seu falso chinelo havaiana gasto..

Acham que ando distribuindo esmolas de vinte reais por aí?

Logico que não...

Aquela nota de vinte foi fruto odioso de alguém que também não teve a percepção que todos somos iguais muito embora a vida por vezes nos coloque como protagonistas de outras histórias necessárias para demonstrar que a evolução humana necessita de exemplos clássicos para formalizar que nem tudo está perdido...

Finalmente encontrei um destino útil para uma nota de vinte reais que não me pertencia...




Jorge Schweitzer



Um comentário:

  1. Jorge, essa nota...é a nota de uma corrida que acabou em tremenda confusão...num grande mal entendido, né?????????????????????
    Menino, você não existe!
    Bjssssssssssssssssssssssss

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