sábado, 25 de junho de 2011

Texto lido por Bruno Gouveia em Missa realizada na Igreja Nossa Senhora da Paz falando de sua despedida do filho Gabriel, 2 anos

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Carta às famílias da tragédia

" Este texto foi lido por mim na missa de sétimo dia realizada nesta sexta feira, 24 de Junho na igreja Nossa Senhora da Paz. Uma carta celebrando a VIDA. Neste sábado volto a fazer shows. Os primeiros sem meu filho, mas sei que ele estará lá me vendo. Te amo, Gabriel.

Queridos pais, irmãos, parentes, amigos e presentes

Esta noite estamos todos juntos aqui para lembrarmos de quem tanta vida tinha pela frente e que o destino quis que partissem tão cedo. Faço minha as dores das famílias Cavendish, Magalhães Lins e principalmente dos Kfuri. Também oro pela família da babá Norma. Também oro pela família de Mariana Noleto. Também oro pela família do piloto. Não há revolta em meu corpo, não adianta buscar uma culpa, não será mais fácil viver assim, gastando energia naquilo que não os trará nunca de volta.

Nesta igreja, duas semanas atrás, estive com meu filho Gabriel lhe apresentando a “casa do papai do céu”. Eu lhe expliquei que o papai do céu tinha muitas casas como esta para convidar todos a visitar e ver como o céu é bonito, já que a gente não consegue ir lá. Ele me disse que não queria ir pro céu. Então eu ri e lhe disse que um dia Ele nos chamaria, mas que ainda não era hora disso acontecer.

Hoje, meu filho, você está com Ele, Deus, meu pai, puxando suas barbas como uma criança travessa e alegre que sempre foi aqui. Brinque com sua mãe, tia e primo.

Não quero me estender muito, mas preciso dizer algo às nossas famílias que tanto tem sofrido:

Para Fernando, que perdeu a mulher de suas duas filhas, quero dizer que Catarina e Fernandinha serão sempre minhas sobrinhas. Você, que tanto construiu com sua empresa, agora vai precisar se reconstruir. É uma obra de engenharia mais complicada quando o chão lhe é tirado, mas sua família e seus amigos certamente serão seus alicerces.

Para Zé Luca, que sofre assim como eu a perda de um filho, te peço foco e força. Luquinha tinha um sorriso gostoso e um jeito de rir só dele. Tive o prazer de brincar com este menino e sabia que nos últimos meses era a sua força maior para superar os obstáculos que a vida vinha lhe impondo.
Luquinha se foi mas, por esta alegria que sempre foi característica dele, Zé Luca, a vida sempre, sempre fará sentido.

Para a família Kfuri que me recebeu sempre com um carinho imenso nestes últimos dez anos, saibam que eu estou aqui. Sempre estive. Nos últimos meses, minha dor maior era não saber como lidar com cada um de vocês, diante de uma separação inevitável, mas que, acreditei sempre ser cicatrizada pelo tempo. Este mesmo tempo que agora terá de cicatrizar um corte profundo em nossos corações. Não tenho irmãs e sempre dizia que a vida havia me dado quatro de uma só vez ao conhecer a Fernanda. Amizades cunhadas a ouro! Meninas, contem comigo. Dario e Mara: Força!

Estranha paz esta que me invade. Muitos pais vêm chorar comigo, pois sentem a dor daquilo que mais temem. A perda de um filho. Eu lhes digo. Espero que nunca saibam e sintam o que eu, Dario e Zé Luca estamos vivendo. Esta semana, em meio a uma tarde triste em que o vazio me abateu por não ter mais quem buscar na creche, escrevi este texto. Algo que me doeu botar para fora, ou para dentro de mim, mas que sintetiza tudo que sinto e renova minha esperança por dias melhores.

a morte de um filho�
é uma gravidez às avessas
volta pra dentro da gente
para uma gestação eterna

aninha-se aos poucos
buscando um espaço
por isso dói o corpo
por isso, o cansaço

E como numa gestação ao contrário
a dor do parto é a da partida
de volta ao corpo pra acolhida
reviravolta na sua vida

E já começa te chutando, tirando o sono
mexendo os órgãos, lembrando ao dono
que está presente, te bagunçando o pensamento
te vazando de lágrimas e disparando o coração,

A morte de um filho é essa gravidez ao contrário
mas com o tempo, vai desinchando
até se transformar numa semente de amor
e que nunca mais sairá de dentro de ti.

Fiquem com Deus! E que Ele tenha piedade de nós. "

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Um comentário:

  1. Querido Bruno,
    Ainda bem que a mãe se foi pra estar com ele.
    As dores são piores que de parto.
    São físicas e sentidas mesmo.
    Quisera eu poeta como você, encontrar palavras e arrrumá-las de modo a ser tão clara.
    A dor é uterina.
    Você sente seu filho se remover no útero mesmo.
    Já ouvi relatos assim de outras mães.
    o abdome se remexe como se pudesse sentí-lo e aspirá-lo de volta para que ele não saia de lá.
    E ele murchou e murcha a cada dia Já perdi 24 kg ,da última vez que fui ao terapeuta.
    Meu peito incha pra amamentar.E dói.
    Tenha coragem, força e fé.
    E que Deus tenha misericórdia de nós!
    Cristiane Marcenal, mãe de Joanna ,torturada pelo pai até a morte.

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