quarta-feira, 14 de maio de 2014

O Colecionador






Com tantas celebridades morrendo nas últimas semanas resolvi repensar minha existência...

Imaginei o quanto é desconfortável para nossa família  ter que remexer o que considerávamos relíquias antes de cantarmos para subir...

Teve uma época que colecionei chaveiros...

Imaginem?

Alguém abrir meu baú no sótão na esperança de encontrar um Patek Phillipe de ouro e dois Rolex Submariner de aço e dar de cara com uma portentosa coleção de chaveiros  contendo Topo Gigio, o elefantinho da Shell, da caderneta de Poupança Delfim, da Simcauto, da Crefisul e do Adubos Manah...

Não dá...

Mas, vamos supor que o féretro seja filatelista...

Filatelista é um camarada que certa vez foi escoteiro frustado jamais passando de lobinho que ao se tornar velhinho contemplativo acredita que comprará um selo no Correio da esquina e terá tempo suficiente de vida para que se transforme num Olho de Boi...

E o camarada que coleciona canecas de chopp na estante?!

E o camarada que coleciona tudo com símbolo do Corinthians?!

E, borboletas espetadas com alfinetes?!

Teve um época em que se colecionava flâmulas...

Flâmula, os mais jovens sequer sabem o que é aquilo...

Já que falei em estante, lembro que também existe quem as decora com garrafas de cachaça compradas em restaurantes de beira de estrada com nome que vão de Amansa Corno,  Ignácio Pelado no Apartamentão Bancoop de Santos,  Beijo de Sogra, à Aquela que Matou o Guarda, além das impublicáveis e retorcidas a fogo...

Dona Marisa Letícia deve estar louca para se livrar de uma dessas...

Eu pretendia incluir quem coleciona automóveis antigos mas vou pular esta parte em razão que jamais irei me atrever a fazer piadinha sem graça alguma com meu melhor amigo do peito e, cá entre nós, colecionar carros é outro patamar...

E slides?

Slide é um troço que já não existe mais em função das redes sociais onde todos se exibem on line sem necessidade formal de reunir a família toda para fazer inveja depois de alguma viagem...

Lembro que existia ocasião em que você era convidado para algum jantar e depois de você inocentemente capturado pelo anfitrião ele desligava as luzes e passava a narrar cada slide na parede branca se vangloriando de nos mostrar sua viagem ao Paraguai, Miami, Fernando de Noronha ou Gramado...

Todo pobre colecionador de vaidades que não conhece as Serras Gaúchas não pode inflar o torax para qualquer avô se sacudir de inveja no andador ou tia solteirona solar de raiva uma cuca de banana no forno a lenha...

A característica principal do colecionador é transpor a linha de chegada do feito que outros não têm competência...

Teve uma época em que estive morando sozinho e colecionava namoradas...

A cada vez que eu assumia compromisso sério tinha que me desfazer daquela enormidade de fotos de todas anteriores na praia ou andando pelo meu quarto vestindo somente minhas camisas sociais com as mangas dobradas e um sorrisão de matar...

Também já tive uma Super 8 e Filmadora com fita VHS e todo este farto material com inúmeras sereias bailando em minha vida não pude conservar a coleção como registro de outrora...

Acho meio mentira esta coisa que os homens filmam ou fotografam e as mulheres consentem só para agradar seus parceiros como prova de confiança...

Na verdade, as mulheres também possuem seus fetiches e muitas vezes gostam de se mostrarem atraentes, nuas e lindas...

Também, nem sei se cabe guardar  instantâneos sensuais que não na lembrança...

Estas coisas são muito reservadas e se morremos de mal súbito iriamos deixar encabulados quem encontrasse...

Não possuo mais coleção de nada...

Sequer guardo cartas de amor que não enviei...

Nem desculpas pelo que não fiz...

Nem adianta mais depois escarafuncharem minhas gavetas...

Se alguém não recebeu é porque não rolou...

O que passou não há mais tempo para resgatar...

Mas continuo escrevendo...

Até tudo acabar...

Tái?!

Acho que sou um colecionador de palavras...

Até o fim...




Jorge Schweitzer




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