BARBARA MARCOLINI
RIO - "Na próxima semana vem o 'New York Times', na outra, uma TV italiana e uma francesa", explica o pastor Adauto dos Santos, pai de Alani, 10 anos.
Conhecida como “missionarinha”, a menina teria o dom de curar enfermidades e, todas as segundas-feiras, participa dos cultos na igreja evangélica fundada pelo pai, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
Os milagres atribuídos a ela já foram notícia no jornal britânico “The Guardian”, na edição francesa da revista “Marie Claire” e no canal americano ABC.
Só este ano, explica Adauto, 14 veículos internacionais já procuraram a menina. Além de um fenômeno no universo evangélico, Alani é um sucesso midiático.
O olhar doce e a voz serena reforçam o aspecto angelical da menina de grandes olhos castanhos e cabelos levemente cacheados. Acostumada a dar entrevistas desde os 6 anos, Alani já tem todas as respostas na ponta da língua. Deus a escolheu como veículo para seus milagres, explica. Como em uma releitura do Velho Testamento, a mãe, estéril, recebera de três pastores a notícia de que o Todo Poderoso lhe enviaria uma pérola, conta ela.
Ainda dentro da barriga já se sabia que Alani não seria uma menina comum: quem encostasse no ventre materno sentia um arrepio.
— O primeiro milagre aconteceu quando ela tinha 51 dias — conta o pai. — Uma moça com a barriga grande como a de uma grávida veio à igreja pedir ajuda. Fechei meus olhos, e algo dizia que não deveria orar por ela. Vi então a mãozinha da minha filha sobre a sua barriga. Chamei minha mulher, que estava na igreja com ela, e coloquei a bebê para tocá-la. Quando ela colocou a mão, a barriga murchou.
Adauto, de 47 anos, e a mulher Sandra, de 36, chegaram no estado do Rio há 10 anos.
O casal deixou o município de Pacaembu, no interior de São Paulo, e foi para Maricá, também na Região Metropolitana, atendendo a um chamado do irmão mais velho de Adauto, conhecido como Pastor Adão.
Foi também por influência do irmão, que conheceu a igreja evangélica quando estava preso no Carandiru, condenado por roubo de carros, que o pai de Alani se converteu, há 20 anos.
O pastor, porém, evita falar sobre seu próprio passado.
— Não é edificante, prefiro falar sobre o meu presente. Já fui preso também, mas não gosto de trazer lembranças. Passado é passado — desconversa o pastor quando questionado sobre o motivo que o levara à prisão.
A bordo de uma caminhonete Toyota Hilux de cabine dupla — cujas parcelas ainda estão sendo pagas, frisa o pastor — a família dos Santos chega à igreja Missão Internacional de Milagres, criada por Adauto há um ano e meio.
Um cartaz com a foto de Alani anuncia que os milagres são realizados às segundas-feiras.
O espaço amplo, vizinho a um supermercado, fica na principal rua de Alcântara, bairro de classe média baixa de São Gonçalo.
O local é iluminado por lâmpadas frias e mobiliado com cadeiras de plástico brancas, como as usadas à beira da piscina.
No palco, um painel com a foto de uma praia de água azul-turquesa e letras que compõem a palavra “JESUS” serve de cenário para um pastor. Os fieis ainda são escassos, mas ao longo de duas horas de pregação chegam a cerca de 50.
Sob aplausos, Alani sobe ao palco, canta duas músicas e dá lugar ao pai. O pastor Adauto lembra os feitos realizados ali, entre eles a cura de suas pedras na vesícula.
Ele reitera que apenas quem tem fé recebe a graça desejada e garante que, mesmo que o sintoma não desapareça imediatamente, a cura acontece no momento em que as mãos de Alani tocam no fiel.
Ao exemplo do pai, a menina também prega, até que, por volta das 21h, chega o momento.
Mais de uma dezena de fieis se aproximam do palco.
O pastor pergunta sobre os seus problemas.
Alani se posiciona na frente de cada um, fecha os olhos e coloca as mãos sobre suas cabeças. Homens de terno e mulheres segurando lençóis se preparam para socorrer quem desmaiar — o que não é raro.
Imagens de Alani tocando enfermos, que imediatamente desabam no chão ou têm crises de choro, já rodaram o mundo.
O pastor Adauto faz questão de enumerar os veículos internacionais que já foram conferir: “L’Hebdo”, da Suíça, “Polityka”, da Polônia, “Marie Claire”, M6 e Canal Arte, da França, RTL, da Bélgica, ABC News e Vocativ, dos Estados Unidos, NOS, da Holanda, “The Guardian”, da Inglaterra, além do canal NatGeo e TVs da Rússia, Espanha, Itália e Colômbia, das quais não se lembra o nome.
No site criado para a menina, há instruções de como chegar até a Igreja vindo do Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio.
Correspondente dos sites americanos MSNBC e Vocativ, o jornalista Ramon Iriarte foi um dos que visitaram a igreja nos últimos meses.
Segundo Iriarte, a reportagem em vídeo feita para o Vocativ, publicada em abril, foi vista por quase 1 milhão de pessoas — o que, na sua opinião, demonstra o interesse do público estrangeiro pelo tema. O jornalista diz não se considerar uma pessoa religiosa, e argumenta que os aspectos positivos ou negativos de cultos como os de Alani e seu pai devem ser avaliados pelo público.
— O pentecostalismo no Brasil é um bom exemplo desse fenômeno crescente que está estourando por toda a América Latina. Alani foi o personagem perfeito para tornar a história atraente para a audiência internacional — justifica. — A matéria obviamente transcende Alani e sua família, e acho importante analisar o papel dessas organizações no centro das sociedades contemporâneas e sua relação com a economia, a democracia representativa e o estado.
O assédio da imprensa fez com que a escola particular Seiva Cristã, onde Alani estuda, criasse um esquema especial para entrevistas. A coordenadora pedagógica Carla Corrêa explica que os pedidos para entrar na escola devem ser enviados por e-mail com antecedência, a aluna pode sair de sala por não mais que 15 minutos, e os outros alunos não devem ser filmados ou entrevistados.
— Se começarmos a abrir muito a escola, ela será evidenciada como diferente entre os outros. Ela é uma excelente aluna, mas é encarada como qualquer outra — explica.
Para a professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) Cristina Rego Monteiro, o interesse da mídia estrangeira por histórias como a de Alani não é novidade.
Ela argumenta que o simples fato de uma menina de 10 anos atrair centenas de pessoas em busca de supostos milagres já é um fato relevante, tanto no Rio como em qualquer lugar do mundo.
Somado a isso, o interesse pela cultura brasileira aumenta às vésperas de grandes eventos internacionais.
— Esse aspecto da cultura brasileira, da fé, de uma organicidade cultural, que para o estrangeiro é exótico, chama atenção. A imprensa internacional joga uma carga em cima do exotismo, isso não é novidade — avalia Cristina, lembrando que o sensacionalismo não é uma regra nesses casos. — Dependendo da qualidade do veículo, você não encontra mais esse uso vulgar dos estereótipos que não correspondem a uma realidade geral. Você tem a imprensa sensacionalista, mas essa usa o senso comum dentro dos próprios países também.
Sem esconder sua preferência pelos veículos internacionais, o pai de Alani explica que passou a evitar a mídia brasileira por alegar ser alvo de calúnias.
Adauto diz que já foi investigado pelo Ministério Público e pelo Conselho Tutelar, mas as denúncias de exploração de menor nunca foram comprovadas.
— Ela tem mais tempo para brincar do que qualquer criança de classe alta, que faz inglês, futebol, natação… — compara. — Não vejo mal sobre a exposição. Ela não é atriz ou modelo, ela ajuda as pessoas.
Sentada ao fundo da igreja na última segunda-feira, Isaura Klem de Souza, de 84 anos, ouvia o culto com a cabeça baixa. A visão lhe fora tomada há 8 anos pelo glaucoma. Ao ser tocada por Alani, dona Isaura sentiu um calafrio. Mas as manchas brancas continuavam sobre sua íris.
— Tinha fé de que sairia daqui enxergando, mas eu sei que essas coisas vêm devagarinho. Vou continuar vindo aqui. Se um dia essa sombra sair dos meus olhos, eu volto a enxergar.
A operadora de telecomunicações Eliana Carvalho, de 55 anos, também esperava por um milagre. Há um mês vinha sentindo dores na barriga, e o médico lhe indicara alguns exames. Diante da menina, desabou no chão.
— Parecia que Deus estava me tocando, sentia meu corpo leve. Agora não tenho mais dor — contou a mulher, depois de ter sua barriga examinada pelos presentes e dar três voltas correndo, a pedido do pastor.
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