quarta-feira, 6 de maio de 2015

Deus

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Não sei...

Aconteceu novamente...

Parece praga...

Sábado passado, 16 horas, sol escaldante...

Um homem está deitado em posição fetal no meio da Avenida Chile em frente a estátua do Papa João Paulo II na Catedral...

Carros e ônibus aceleram na avenida ampla e desimpedida...

Já bem próximo desviam...

Salto do carro...

Tem aspecto de morador de rua, algo em torno de 40 anos, branco...

Seu joelho direito está ralado e o lóbulo de sua orelha esquerda sangra...

Peço para que saia dali...

Seu olhar é perdido...

Coloca a língua prá fora várias vezes como um lagarto...

Cheira muito mal...

Não tem cheiro de bebida...

Tem cheiro de fezes...

Penso em pegá-lo no colo mas percebo que evacuou e sua bermuda está empapada no asfalto...

Coloco minhas mãos por baixo de seus braços e arrasto até o meio-fio enquanto automóveis dificultam minha ação como se quisessem nos acertar...

Grito palavrões para os motoristas e para Deus que jamais me escuta...

Recordo que sempre penso em carregar no carro luvas cirúrgicas para estas ocasiões...

Só lembro quando me envolvo em novo episódio...

Nos dois anteriores, exatamente iguais (um menino de rua na São Clemente em frente ao Colégio Santo Inácio e um homem negro no Túnel Frei Caneca próximo ao jornal O DIA), tive sucesso ao subornar com uns trocados e fazê-los obedecer...

Desta vez o homem não esboçou reação ao lhe mostrar dinheiro...

Falo, falo, falo...

Ele não percebe minha presença...

Vou embora...

Antes de segurar no volante lavo as mãos com Veja multi-ação que carrego na mala...

Dou uma volta no quarteirão...

Ele continua no mesmo lugar que o deixei...

Pego uma passageiro em frente a Petrobrás à caminho do Shopping Tijuca...

Passamos ao lado do homem de rua...

Conto o que aconteceu...

Fico a imaginar que deveria ter feito mais...

Ligado para algum socorro para recolhê-lo...

Não fiz...

Tenho que tocar minha vida...

Todos temos...

Somos hipócritas...

Enquanto escrevo fico pensando se este homem ainda estará vivo...

Onde está neste momento?

Debaixo de algum viaduto, num albergue ou no necrotério?

Por quê Deus não socorre este homem?

Por quê ele não sabe mais rezar?

Por quê ele não lê aquele biblão chato?

O que este homem fez para ser condenado àquele destino?

Por quê Deus contempla com conforto, sorte, profissão, agasalho e comida farta alguns mentirosos que lhe enviam mensagens oportunistas e condena à miséria ultrajante quem não tem mais nem trajes descentes para adentrar um templo picareta?

Qual a lógica?

Qual o senso utilizado para massacrar seres humanos seus filhos que foram sendo encurralados pela falta de oportunidades até chegarem ao limite degradante?

Este infeliz deve ter optado por ser atropelado para acabar com seu calvário...

Está doente...

De corpo e alma...

Não tem volta...

Deus irá matá-lo, se já não O fez...

E possivelmente enviá-lo ao Inferno...

Deus é Fiel?

Duvido...



Jorge Schweitzer




PS: Postado em 2008; no antigo blog que foi censurado pela Microsoft em razão de texto que escrevi sobre os milagres do pastor Valdemiro Santiago...



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