quinta-feira, 5 de setembro de 2013

BMW de Papelão







Não sou bonzinho...

Longe de...

Ontem um passageiro constava suas vantagens monetárias esmiuçando que acabou de comprar seu quarto carro importado e que possui uma motocicleta BMW...

Isto é muito comum...

Quase já me acostumei...

Já nem escuto...

Parado no engarrafamento quase na esquina da Rua 20 de Abril com  Frei Caneca, olho um catador de papelão na porta de uma lojinha de moda feminina quase em frente a um prédio que abriga o clube de swing Medida Certa...

Enquanto meu passageiro declara que fez seguro da moto BMW na Porto Seguro, fico fazendo cálculos de quantos papelões o morador de rua precisará encontrar para vender por menos de 1 real...

Pego uma nota de dois reais para alcançar ao catador que ainda não me viu...

Meu passageiro pega o celular e dá ordens a um chefe de alguma sua obra reclamando que risco de perder o contrato em razão de sei lá o quê...

O trânsito não anda...

Mudo de idéia...

Abaixo o vidro...

Assovio alto e entrego uma nota de dez...

Meu passageiro olha a cena...

O catador tem os olhos injetados de alcoólatra...

E, me diz uma daquelas frases incompreensíveis:

- Vou rezar pelo senhor e por mim, senhor... Quando todos estiveram contra o senhor sozinho eu estarei lutando ao seu lado, senhor... 

O senhor repetido relembra linguajar de cadeeiro velho...

Mas...

Estranho, a frase me fez bem...

Me valeu cada centavo dos dez reais...

Meu passageiro pergunta qual razão de eu ter dado dez reais...

- Você se enganou, amigo, foi uma nota de dois... Nem eu, nem você, jamais daríamos esmola de 10 para alguém que não pediu absolutamente nada...

Adentro a Presidente Vargas; cruzo a Praça da Bandeira; subo o elevado do Maracanã; passo em frente ao Shopping Tijuca...

Meu passageiro articula frases que já nem me interessa, só vejo sua boca se movendo pelo retrovisor...

Salta em frente à uma casa de vila na Pereira da Silva...

Sua moradia não condiz com toda sua prosa...

Total da corrida: 22,45 ...

Pergunta se pode ficar por vinte, redondos...

- Óbvio... Tá tranquilo, xerife!

Meu passageiro fica sem jeito e ri amarelo...

Salta e antes de bater a porta pergunta se está tudo ok mesmo; sei o lá o por quê...

Estava tudo perfeito, completamente...

Existem viagens impagáveis...

Escutar que alguém sem rumo rezará por mim e lutará quando todos me abandonarem, não tem preço...

Mesmo que seja mentira...





Jorge Schweitzer




Um comentário:

  1. Detesto pessoas que ficam por ai se vangloriando de possuirem esse ou aquele bem material.
    Geralmente as que mais contam vantagem sao as mentirosas. Como diria minha avó: comem feijao e arrotam caviar... muita pobreza de espírito.

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