.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
Não creio em Deus...
Mas uso escapulário até que ele se esfacele pelo tempo...
Contraditório?
Ao tomar banho tiro do pescoço e penduro junto a toalha com respeito incompreensível...
Nunca saio de casa sem ele...
É meu ritual surreal agnóstico que zomba de milagres de ‘apóstolos’ de Jesus na TV mas não desrespeita um cordão com imagem em cada ponta...
O primeiro ganhei ainda antes da primeira comunhão de minha Vó Antônia após lhe confidenciar um segredo numa noite fria de Porto Alegre...
A fé da Vó ‘Pequena’ era algo que comovia...
Suas novenas intermináveis cansativas num terço imenso cheio de aves-marias entremeados por pai-nossos e glória-ao-pai concluídos com uma salve-rainha em latim que sei de cor até hoje...
Suas passadas lentas a caminho da Igreja Nossa Senhora Auxiliadora da Rua Plínio Brasil Milano é um filme em câmera lenta na retina da alma...
As procissões que eu odiava mas adorava a vela acesa que respingava pedaços quentes em minha mão que eu mordia após solidificarem como em milagre...
Um dia, ainda menino, confessei-lhe um crime...
Havia matado um homem...
Subi em disparada escadarias imensas do colégio Dom Bosco da Rua Eduardo Chartier com um porteiro em meu encalço a esbufar por estar em local que não deveria circular durante o recreio...
No dia seguinte soube que ele havia morrido do coração...
Fiquei congelado pela culpa...
Segundo minhas deduções de legista-mirim espelhado nos gibis do Dr. Nick Holmes escudado pelo amigo mordomo Duarte...
Jamais havia contado pra ninguém...
Além de porteiro ele era encarregado da venda de vinhos do Colégio...
Minha mãe narrou que, no caixão, seus dedos ainda estavam tingidos do vermelho das rolhas manuseadas...
Fiquei assombrado...
Noites imensas sem dormir com a cabeça coberta com medo que ele estivesse abaixo de minha cama...
Minha Vó Antônia riu muito da minha culpa...
Me consolou:
'Você é um homem bom'...
Não sou...
Preferia que o desgraçado porteiro houvesse morrido em outra ocasião...
Para não ter que carregar um escapulário pra cima e pra baixo pelo resto da vida numa tradição compulsória...
O tempo se tratou de me provar que não matei o homem da cantina de vinhos...
E gerou um descrente incomum que usa escapulário como penitência...
Jorge Schweitzer
Querido Jorge Schweitzer vc escreve de forma sutil, engraçada, inteligente,madura, simples, comovente , informativa e ... e.....e... é muito bom ler seu blog Parabéns!!!
ResponderExcluirRosanna Annuzzo