quarta-feira, 20 de março de 2013

O menino que carregava água na peneira





Manuel de Abreu


Tenho um livro sobre águas e meninos. 

Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. 

A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. 

A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. 

O mesmo que criar peixes no bolso. 

O menino era ligado em despropósitos. 

Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. 

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio, do que do cheio. 

Falava que vazios são maiores e até infinitos. 

Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito, porque gostava de carregar água na peneira. 

Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. 

No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo. 

O menino aprendeu a usar as palavras. 

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. 

E começou a fazer peraltagens. 

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. 

O menino fazia prodígios. 

Até fez uma pedra dar flor. 

A mãe reparava o menino com ternura. 

A mãe falou: 

Meu filho você vai ser poeta! 

Você vai carregar água na peneira a vida toda. 

Você vai encher os vazios com as suas peraltagens, e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!




PS: Hoje a noite conheci uma moça a caminho de um sarau na praia do Leme chamado 'Pelada de Poesia do Leme' no quiosque Estrela de Luz no Posto 1 que  me ensinou esta poesia acima do Manuel de Barros que eu desconhecia... E me contou que amanhã haverá encontro Por um Rio Capital da Poesia na Rua São Clemente 385... Gosto de escutar poesias, lamentável que não possuo capacidade de confeccioná-las... JS





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