Semana passada apanhei uma passageira que parecia muito querer conversar...
Estampa um sincero sorriso permanente...
Só que...
Seu olhar é triste...
Fala pausada, transparecendo calma...
Observa que a chuvarada que desaba está chata...
- É melhor trabalhar no táxi com sol ou chuva? - quer saber...
- Tanto faz, vou sempre dando meu jeito. - amenizo...
Ela comenta que gosta de chuva, menos quando não passa nenhum táxi desocupado...
Fica curiosa em saber o que pior da minha profissão...
Não sei...
Sei falar das coisas boas, como a liberdade de ser dono de meus horários mas nem sempre de meus percursos...
Falo do prazer imenso de conhecer pessoas diferentes e de jamais sofrer de solidão, a menos quando a praça está ruim...
E...
Acho que o pior é aturar outro taxista chorando miséria extrema ou contando vantagens ou conquistas improváveis...
Quando ocorrem estes extremos, em alguma conversa quando vou abastecer ou no mecãnico, me afasto imediatamente...
- Hahahahaha, muito bom! - ela gosta...
- Se está ruim não adianta reclamar, se chorar fosse solução o patinho feio tinha virado bonito na hora. - brinco...
Logicamente que jamais iria brincar se soubesse o drama desta senhora com antecedência...
Ela confessa que voltou a fumar depois de cinco anos de abstinência...
Poxa, como alguém que consegue se livrar do vício cai na mesma armadilha?
Minha passageira acabou de perder seu único filho no último sábado de carnaval...
Faleceu de isquemia...
Tinha 34 anos de idade...
- Era hipertenso?
- Não!
Advogado...
Somente após sua morte descobriram vários coágulos antigos no cérebro...
O único sintoma era uma dor de cabeça persistente muito forte diagnosticada como excesso de trabalho...
Ele tinha objetivos profissionais e não diminuia o ritmo...
Ela entrou em desespero...
Perdeu o rumo...
Trocou de mal com Deus por levar seu menino...
Ainda tentava se recuperar da perda do pai, há um ano, quando recebeu o golpe de misericórdia do destino inclemente...
Entrou em parafuso...
Resolveu voltar a fumar premiando a Souza Cruz e condenando seus pulmões...
Nem sabe a razão...
Fico sem saber o que falar...
Me arrependo do que falei antes...
- A senhora tem Fé?
- Acho que perdi, mas estou recuperando...
Ela me conta que apanhou meu táxi exatamente em frente a um centro espírita...
Está tentando remontar seu castelo de cartas desmoronado em efeito dominó...
Tem se sentido em paz ao buscar a compreensão da separação...
- Então, pára de fumar! - aconselho...
- 0 senhor não fuma?
- Fumo só à noite, acendo meu primeiro cigarro após as 21 horas...
- Mas acredita em Deus...
- Não!
- Então?
- É que, acho que acreditar em Deus e não fumar faz bem...
- Mas não pratica...
- Pois é...
Jorge Schweitzer
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