O suicídio de Cibele Dorsa

.

Pois é...

Suicídio é um ato covarde sob todas óticas...

A reação anormal da preservação contrariada...

Presenciei uma moça se jogar nua do alto de uma janela num 31 de dezembro...

Há muitos anos...

Foi na Rua Gomes Freire 740...

Ela estava no décimo andar pendurada na soleira da janela; eu no segundo...

Conversei com ela...

Durante muitas noites era sobressaltado pelo seus olhos esbugalhados em minha direção enquanto eu gritava 'calma, não faça isto, tente voltar devagar'...

A cada vez que ela tentava me olhar abaixo o risco de cair aumentava...

Fiquei desnorteado, pensei em saltar até o telhado que protegia o andar térreo para ampará-la e me enxergar sem desabar da janela... Não houve tempo...

Uma senhora idosa, da janela ao lado do mesmo andar que ela, lhe mostrou uma bíblia enorme aberta acreditando num milagre 'ide e pregai' que lhe foi ensinado por algum pastor mascate da fé dos desesperados:

- Em nome de Jesus, não se jogue!

A frase acelerou o epílogo:

- Em nome de Jesus é que vou fazer mesmo!

Parecia um filme macabro...

Arremessou seu corpo no ar...

Abracei e cobri o rosto da moça que estava comigo com as mãos não lhe permitindo acompanhar a sangueira...

O som do corpo desabando foi terrível...

Jamais vou esquecer...

Suas vísceras ficaram a mostra ao lado de uma mesa de reveillon com frutas do apartamento térreo...

Do alto, xinguei seu cadáver que ainda mantinha últimos espasmos...

Proferi todos palavrões possíveis...

Vizinhos ficaram mais pasmos com minha reação do que a imbecil cena do corpo inerte e espatifado...

Eu não tinha nenhum dó por sua opção idiota de saltar para a morte...

E não tenho...

Tinha ódio...

O suicída contraria todos dogmas da compreensão humana...

Enquanto vários doentes terminais heróicos lutam bravamente por mais um instante de sobrevida o suicída interrompe abruptamente todas suas chances de superação...

Cibele Dorsa se matou e deixou recados como requiem vingativo...

Ao invés de Cibele Dorsa testar ajuda psiquiátrica protocolou recado na revista Caras...

Vi imagens de um tio emocionado de Cibele rezando de mãos postas ao lado do seu cadáver coberto na calçada em frente ao seu prédio onde seu futuro noivo também se jogou...

Não nos cabe vasculhar razões de paixão que levaram Cibele acreditar que sua vida tenha finalizado após uma noite maluca com uma prostituta como partner de um menage-a-trois e drogas com seu amado se jogando pela janela...

Gramourizar suicídas na Caras é incentivo á outras tragédias...

Perfeita a opção da família de Cibele Dorsa em não sepultá-la sobre o caixão do sujeito que lhe induziu ao ato tresloucado com promessas esquizofrênicas de se encontrarem em Aruanda fictícia...

Seria induzir bobocas romeus e julietas de araque potencializados por devaneios delirantes...

Quem ama sobrevive mais forte além da dor dilacerante da perda...

Cibele Dorsa merece determinado respeito por sua opção de partir...

Paciência...

Potencializar suas lamúrias fúnebres para crucificar Doda e Athina Onassis na Caras é merchandising para outros suícídios...

Doideira tem limites...

Jorge Schweitzer

PS: A matéria da Caras reproduzi por aqui com intenção de tornar compreensível o texto acima...