terça-feira, 27 de janeiro de 2015
Um chapéu símbolo do luto em Santa Maria
Enquanto Ezequiel retirava sobreviventes de dentro da boate, Yasmin Müller, à época com 18 anos, procurava pelo namorado Lucas Dias, de 20 anos. Ela e o companheiro foram juntos à Kiss na noite de 26 de janeiro ver o show da Gurizada Fandangueira (cujo vocalista segurava o artefato pirotécnico que deu início ao incêndio) comemorar o seu aniversário de 19 anos, que seriam completados dois dias depois.
Enquanto Lucas escolhia a roupa que vestiria, ela coloriu as unhas com esmalte vermelho – cor que nunca mais escolheu para pintura. Pouco antes de as chamas se espalharem pela casa noturna, o casal trocou juras de amor. O namorado afastou-se dela para ir ao banheiro, sem saber que os dois não voltariam a se encontrar. Quando o fogo atingiu o teto da boate, Yasmin foi salva, puxada para a rua. Tentou voltar em busca do namorado, mas foi impedida.
Nas horas seguintes, ela percorreu diversos hospitais de Santa Maria em busca do namorado. Tinha esperanças de reencontrá-lo vivo. Até que recebeu a notícia do paradeiro de Lucas: seu corpo havia sido identificado no Centro Desportivo Municipal (CDM), o ginásio para onde as vítimas foram levadas.
Foi lá, durante o velório, que Yasmin debruçou-se sobre o caixão do amado para se despedir, com as lágrimas escondidas pelo chapéu preto de abas largas que levava sobre a cabeça em homenagem. A foto dessa cena foi parar na capa da edição da revista "Veja" sobre a tragédia e simbolizou o luto de todo o país.
“Tiveram muitos comentários à época, de pessoas que nem sabiam o que estava acontecendo. Disseram que era uma montagem, que eu era uma modelo, porque eu estava com as unhas bem pintadas de vermelho. Eu nunca mais pintei dessa cor. Até tentei, mas não gosto”, comenta Yasmin.
O chapéu característico dos homens do campo era o adereço preferido de Lucas, diz Yasmin. O jovem cultivava as tradições gaúchas, andava pilchado com botas e bombachas, frequentava Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e gostava de andar a cavalo. O acessório havia sido comprado na Casa do Gaúcho, uma loja de produtos típicos onde o casal trabalhou e se conheceu.
Desde aquele 27 de janeiro, o chapéu não pairou mais sobre a cabeça de Yasmin. Ele ficou aos cuidados da mãe dele, Marise, com quem a jovem mantém contato até hoje. Quando vai a Santa Maria, Yasmin procura visitar a ex-sogra. Mas a tragédia nem sempre é tema da conversa, que geralmente acontece regada a chimarrão.
“Eu não fiz questão de pedir o chapéu para ela, porque uma mãe sofre bem mais com essa situação. Às vezes a gente fala sobre tudo o que aconteceu. Não tem como entrar na casa e não lembrar, as coisas dele estão todas por lá. Tem vezes que ela está bem, outras em que não está. Ele era filho único”, relata.
As lembranças do que viveu com o jovem foram marcadas no corpo. Tatuou, próximo à costela, no lado esquerdo, o trecho de uma música que simbolizava a história do casal. O verso estava presente no primeiro bilhete que Lucas escreveu quando tentava conquistá-la. “Me procurando achei teus olhos, pelos caminhos de flor e encanto”, diz a tatuagem.
Dois anos após a tragédia, Yasmin vive com a família em São Pedro do Sul, a cerca de 39 km de Santa Maria. A rotina sofreu mudanças após o incêndio. A começar pelo aniversário, em 28 de janeiro. Não gosta mais de promover comemorações, prefere ficar tranquila ou “dar uma volta de carro” para sair de casa. Também perdeu o gosto pelas festas em boates.
No ano passado, ela aceitou ao pedido de namoro de um “menino da Fronteira”, natural de São Borja. Foram meses até entender que poderia seguir adiante. “Eu avisei que era para irmos com calma. Então ele me acompanhou, se adaptou ao meu ritmo. Até que, claro, teve o empurrão, uma certa pressão, para a gente começar a namorar. Falamos com tranquilidade sobre tudo o que aconteceu, não tenho por que esconder nada”, resume.
No começo de 2015, Yasmin recebeu boas novas. Passou no vestibular para zootecnia, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Aguarda para fevereiro, porém, o resultado das provas para o curso que sonha em entrar: medicina veterinária, na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em Bagé, na Campanha. O projeto de viver no campo tratando de animais era partilhado com Lucas.
Felipe Truda e Paula Menezes
G1 RS
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