Toda criança gosta do avô...
Todas...
Existem estas químicas inexplicáveis...
É meio furada a teoria que ao avô palhaço se abre um universo circense onde tudo lhe é permitido para agradar o neto como tradução da sinergia inexplicável...
Tem algo a mais que é um mistério...
Não conheci Aprígio - meu avô materno - mas adorava escutar as histórias que minha avó Antônia descrevia, com detalhes, enquanto fazia pão caseiro; pudim; sagú ou bolinhos de arroz no fogão à lenha...
Com meu avô paterno tive pouquíssimos encontros...
Mas lembro de todos...
Ele era magro, alto, soturno e fumava cigarro palheiro...
Com seu afiado canivete curvado recortava rodelas do fumo de rolo comprado na venda da esquina cheia de cachaceiros...
Esfarelava com as suas imensas e amareladas palmas das mãos calejadas...
Pegava a palha e modelava um cigarro imenso...
Um ritual magnífico e majestoso em câmera lenta...
Nos matava de rir colocando a brasa do cigarro dentro da boca a soltar fumaça pelo nariz...
E...
O melhor do nosso espetáculo infantil...
Vovô soltava fumaça pelas orelhas...
Como ele fazia aquilo?
Não tenho a menor idéia...
Ele tinha habilidade única de ficar com a cabeça imóvel e remexer somente as orelhas...
E, de dentro de ambas orelhas, saia fumaça em profusão...
Repetia inúmeras vezes para nosso delírio...
Depois ficava meses sem nos reapresentar o número...
Calado em seu canto...
Entre goles de chimarrão na cuia grande de porongo com erva mate Safira...
Pitando...
Em meio aqueles círculos de fumaça no ar como nuvens de algodão nas coxilhas do Rio Grande...
Minha Vó Otília quando ficava nervosa falava em alemão...
Belo dia todos consideravam que ela havia enlouquecido...
Menos eu...
Foi colocada em um asilo longe lá de casa...
Sempre a visitava com meus pais, aos domingos...
Ela ficou muito triste por lá...
Como uma criança abandonada num cesto naquela porta...
Era uma casa fria de corredores intermináveis...
Vó Otília ficava mais maluca ainda quando me via e me cobria de beijos apaixonados e seu cheiro inesquecível me segurando com suas mãos amarrotadas cobertas de pintas que eu alisava contando quantas...
E ela a cada vez tão mais criança quanto eu...
Num Alzheimer confundido com esclerose senil...
Por vezes confundia meu nome com de meus irmãos...
Mas relembrava lúcida da semana anterior quando me presenteou balas de goma retiradas de sua caixa de alumínio com duas bailarinas pintadas na tampa como um painel Da Vinci...
Minha vó adorava me apresentar como troféu para outras internas com orgulho por eu ainda amá-la...
Belo dia...
Meus pais não me permitiram mais que os acompanhasse até lá...
Não compreendi...
Nunca mais a vi...
Minhas referências foram embora sem que me fosse permitido um abraço de despedida a revelar o número total de pintas que o tempo sábio tatuou...
E fui capaz de contar quantas...
Jorge Schweitzer
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