quinta-feira, 28 de agosto de 2014
O prisioneiro da enfermaria 504 e o assassino de criança do andar debaixo
Foi durante o horário de visita que começou as 13 horas da quarta-feira 20 de agosto...
Uma TV na enfermaria transmite matéria do RJ TV onde um delegado reagiu a assalto e matou dois bandidos, baleou outro e um menor foi apreendido...
Antes mesmo de acabar a reportagem na TV a enfermaria é invadida por PMs empunhando fuzis em uma mão e utilizando a outra para empurrar maca com um sujeito com um buraco de bala na costela, já com um cano de plástico instalado como dreno logo abaixo de seu braço direito...
Policiais comemoram o troféu falando e rindo alto sem entendermos a razão de permanecerem no local após deixarem o preso por lá apenas com a escolta regulamentar...
As próximas horas rolam pesadas...
O preso recebe visita da mãe na parte da tarde, ela o unge com um óleo na fronte e faz uma oração...
Nos dias seguintes me aproximo do preso, vou sabendo de sua história e a versão correta que ele se nega informar aos policiais civis, por recomendação de sua advogada, que o visitam...
Lógico, igualmente não irei reproduzir por aqui...
Não lhe dei conselhos que só enchem o saco alheio e não mudam ninguém, até lhe falei que se ele fosse filho meu eu o abandonaria a própria sorte após fazer uma cagada destas...
Os pais deste rapaz de 19 anos não o abandonaram, ficavam horas na portaria do hospital tentando algum contato; tentando lhe passar alguma foto para que ele não perdesse o elo familiar ou se sentisse abandonado...
Teve uma hora que ele desabou e ficou chorando durante muito tempo cobrindo o rosto com a mão que não estava algemada à cama...
No último final de semana em que estive internado a gente já conversava normalmente e a escolta até permitia que ele fizesse as refeições sem algemas...
Este prisioneiro e um outro enfermo de acidente de moto eram os que sentiam mais dores e eu era o único que se locomovia e podia pedir socorro aos enfermeiros de plantão que sempre atendiam; jamais um sequer fez cara feia ou deixou de intervir...
Eles até me zoavam que o único que tinha 'moral' para pedir algo por ali era eu...
No mais, a gente se distraia contando bobagens; esgotei meu repertório de abobrinhas para melhorar o clima por ali enquanto que eles repetiam a toda hora que somente eu para fazê-los rir deles mesmos e até esquecer que estavam ali naquela condição...
Por vezes temos obrigação de utilizar toda extensão de nossa capacidade de disseminar alguma felicidade e uma ponta de esperança no meio do caos...
Quando se aproximou a hora da minha alta, eles ficaram torcendo de brincadeira para dar algum problema e eu continuar internado para lhes fazer companhia...
Quando eu dormia tinha um paciente - que aguardava cirurgia de apêndice e tinha insônia - que ficava só me monitorando para eu acordar logo para conversar com ele e caminhar pelos corredores no que eu passei a chamar de meu Cooper pelo Souza Aguiar...
Também durante este período visitei outras enfermarias onde fiz amizades e aproveitávamos para trocar visitas para não dormirmos cedo driblando a insônia e as dores que parecem só chegar com a madrugada...
Nestas incursões conheci o caso de outro prisioneiro que teve uma granada explodida em suas mãos decepando dedos, chamuscando cabelos e marcando o corpo inteiro com aquelas marcas características de pregos arremessados na explosão de pólvora...
Conversamos bastante também...
O fato ocorreu no Morro da Providência, ali atrás da Central, e uma mulher e um menor de idade igualmente foram feridos...
E...
Noutra enfermaria, outro sujeito escoltado pela PM; ele estava com um tiro na cabeça...
Ele havia matado a mulher e uma criança, sua filha, a tiros e tentado suicídio...
Achei melhor não me aproximar de seu leito...
Não sei qual será minha reação ao encontrar cara a cara alguém que acabou de matar uma criança...
Melhor não testar pra ver...
Jorge Schweitzer
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