sábado, 8 de março de 2014
Fale com o taxista somente o necessário
Foi agora, dia desses de carnaval...
Passei por um taxi que tinha um recado improvisado em folha de ofício...
Estava colado no vidro interno traseiro direito...
Demorei a decifrar já que do lado de fora as letras ficam invertidas...
Foi escrito a caneta bic azul com letras reforçadas de uns dois centímetros cada...
Quase não acreditei:
'Fale com o motorista somente o necessário'...
Tentei emparelhar com este táxi, o trânsito da Avenida Chile tornou impossível...
Pô, na boa, acho bacana interagir com o passageiro e normalmente rola um bate papo muito legal...
Claro, existem passageiros que estão entretidos com o celular e aí nem pensar em atrapalhar...
Mas, normalmente todo passageiro gosta de conversar já que a gente circula pela cidade inteira e temos um panorama diferente de quem faz sempre o mesmo percurso...
Claro, além de política; futebol e futilidades...
Até mesmo jogar conversa fora é ótimo...
Além de muitos turistas que pedem sempre alguma dica...
Diversas vezes escutei de passageiros que frequentam a ponte aérea elogiando que os taxistas do Rio, diferente de SP, conversam como se os conhecessem há muito...
A menos que seja alguma brincadeira do tal taxista do cartaz não vejo motivo para ostentar um recado que dá uma péssima impressão como boa vindas a que adentra um ambiente fechado de exíguos metros quadrados de convivência por alguns minutos...
Agora, lógico, no táxi já tive o dissabor de encontrar passageiro com péssimo humor, mentirosos compulsivos em exercício e outras malas equivalentes...
Para estes retribuo com absoluto silêncio que providencia que ele canse antes do final da corrida e nunca mais volto a lembrar que ele algum dia existiu...
Mas, nem mesmo alguém que resolve desabafar com quem este julgue nunca mais irá reencontrar, me incomoda...
Na realidade a troca de informações com diversos passageiros me fez entender melhor o desconhecido...
Adentrei mundos diferentes, reparti amarguras, ansiedades e ilusões...
Já levei pessoas para velórios, sepultamentos, hospitais...
Assim como festas, comemorações e jantares...
Por vezes, dores e alegrias no mesmo dia, dentro da mesma hora...
Todos eles tinham algo a dizer, sempre...
Muitos proporcionaram que eu melhorasse minha visão da existência...
Certa vez conheci um garçom de um dos restaurantes mais caros do Leblon que acabara de receber notícia que estava com câncer...
Estava deprimido; queria falar, falar e falar...
Fizemos o percurso de 40 quilômetros até sua casa...
Ele jamais havia apanhado um táxi para fazer este trajeto...
Numa inacreditável coincidência o apanhei meses depois, agora junto com a esposa, na porta do Inca e refizemos o mesmo caminho com ele abatido pela quimioterapia, porém confiante na recuperação...
No final fez questão que eu entrasse para tomar um café com bolo de fubá junto a sua família para agradecer por tê-lo confortado na sua hora de desesperança...
Já contei por aqui quando uma senhora idosa, acompanhada das filhas, faleceu dentro do meu carro no caminho do Souza Aguiar...
Em outra ocasião, recentemente, uma moça rompeu a bolsa já proximo da Maternidade Peri Natal de Laranjeiras e disparei para que a criança nascesse em lugar apropriado...
Já narrei sobre um menino de máscara branca cirúrgica encobrindo seu rosto que lhe dei revistas do Pato Donald que eu tinha na mala e ele me devolveu com a mão espalmada em despedida antes de entrar na porta do hospital...
O fim e o início da magia da vida ali na minha frente...
Nunca antes eu havia assistido algo tão próximo...
O táxi me proporcionou esta oportunidade única...
Ontem pensei em testar, só de zoação, colocar o mesmo aviso 'Fale com o motorista somente o necessário' só para ver a reação das pessoas; gravar e mostrar as imagens pra vocês...
Acho que não devo, nem de brincadeira...
Por vezes alguém abre nossa porta apenas para receber nosso abraço...
E, depois, ir embora para sempre...
Assim, simples...
Por que não?!
Jorge Schweitzer
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