domingo, 3 de abril de 2011

Entrevista com o falso tenente-coronel Carlos da Cruz Sampaio Junior para o jornal Extra

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Guto Seabra

Extra



Andar lento, uma das mãos no bolso da calça de linho, a outra no cigarro, o falso tenente-coronel Carlos da Cruz Sampaio Junior demonstra que perdeu o posto na Secretaria de Segurança do Rio ao ter sua verdadeira identidade revelada, mas não a pose.


Ao quebrar o silêncio pela primeira vez desde a sua prisão, em outubro de 2009, Sampaio deixa às claras que precisou de lábia e de um programa de computador para deixar de ser um administrador do Zoo-Rio, preocupado em evitar o roubo de arara-azul, e se tornar um homem da cúpula da Segurança do estado.


Com o crachá forjado de militar do Exército, ele se infiltrou nas salas de inteligência da Segurança, coordenou operações, implantou sua metodologia e deu cursos de tiro para policiais em batalhões.


Até que “uma bala acertou seu pé”. O homem que vivia o conto de fadas particular de ser um super-herói transpôs a portaria do prédio da Secretaria, como se rompesse a barreira da ficção para a realidade, já com o papel de vilão para as autoridades.


E, na cadeia, foi convidado a treinar traficantes. Fui ilegal, mas não fui imoral



— Eu tinha um personagem que eu exercia para desenvolver um trabalho, que deveria surtir efeito em prol da sociedade. Aquele era o personagem, mas o Carlos Sampaio é diferente — alega:



— Fui ilegal, mas não fui imoral.


Desmascarado, sem a patente que forjou no photoshop (programa de computador para alterar imagens) e garantiu verbalmente ostentar, seguiu diretamente para a Polinter (Grajaú) por portar um revólver calibre 38 — ainda responde processo por falsa identidade.


Era um estranho no ninho aquele filho de militar que, em dois períodos, sustentou teorias e estratégias e tinha a visão do mundo do crime pelo lado do bem.


Entre as grades, onde permaneceu por 61 dias, ganhou a robustez de heróis em quadrinhos para combater a criptonita dos marginais de facções criminosas.


Encorajado a escrever um livro, intitulado “As gemadas de um coronel sem estrelas” — já finalizado —, Sampaio recusou oferta para treinar traficantes e recebeu visitas de policiais da ativa, que, ao vê-lo cabisbaixo, repetiam: “Coronel, levanta a cabeça. O que o senhor fez não se apaga!”.



Fiquei em cima do muro quando fui convidado para treinar traficantes Carlos Sampaio


— Todos me respeitaram (cadeia). Tive momentos difíceis. Fiquei em cima do muro quando fui convidado para treinar traficantes. Era uma quantia significativa. Eram mais de cinco zeros. Isso foge à minha natureza. Sempre combati o crime.



Homem que, rico em estudos sobre segurança e muita lábia, conseguiu trabalhar na Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro em dois períodos - 2003 a 2006 e 2010 -, Carlos da Cruz Sampaio Junior quebrou o silêncio desde sua prisão, em outubro do ano passado.



Após passar 61 dias preso na Polinter, em que conta ter vivido dias difíceis, sendo até assediado para treinar traficantes, o falso militar deixa às claras que perdeu a patente forjada, mas não a pose.



Ao fazer retrospectiva de sua vida, neste primeiro trecho da entrevista, ele mostra sua trajetória profissional, a entrada na Secretaria de Segurança através de um trabalho na Fundação Rio-Zoo..



E se defende daqueles que o criticam de falsário com o argumento de que não levou vantagem alguma no que fazia:



- Eu trabalhava até 15 horas. Não me arrependo de nada. Não tinha medo. Meu receio era que o meu trabalho não desse certo.




Quem é o Carlos da Cruz Sampaio Junior?



Carlos Sampaio: O Carlos Sampaio é filho de um oficial do exército, que veio de soldado, galgou as patentes até a capitão, se reformou. Ele fez o colégio militar de Brasília, se formou em 1985. Foi paraquedista. Foi da legião de honra também lá. Veio para o Rio quando o pai foi transferido.




Quando e como foi o primeiro contato com o militarismo, armas..?



Carlos Sampaio: Foi no colégio Militar, no curso de formação de alunos. Era um curso no qual os alunos, que completassem 18 anos, em vez de servir ao exército em unidade operacional, faziam. Era uma forma de estágio. E sairiam com o certificado de reservista de segunda categoria. Durou um ano. Junto ao Segundo Grau. À tarde, era a formação militar. Tinha 18 anos. Era uma coisa mais branda. Na época, mesmo sendo permitido que o adolescente portasse armas, etc.., era mais branda. Atirei, participei, me formei com bom resultado.



E depois...



Carlos Sampaio: Saí do colégio militar em 1985. Fiz direito na Gama Filho, mas larguei faltando quatro matérias. Direito não era a minha vocação. Acabei sendo convidado para exercer um cargo no Instituto Estadual de Floresta. Ali, fui gerente do programa nacional de meio ambiente. Posteriormente, fui convidado a ser diretor executivo do Zoológico, de 1993 a 1997, 98, não me recordo. Como diretor executivo , tinha a incumbência de gerenciar o planejamento da estrutura orgânica do Zoo, não técnica, não biológica, não veterinária, mas administrativo, financeiro. Uma das coisas que me chamou a atenção foi a falta de segurança do local. Refiz a segurança do zoológico, criei uma série de barreiras. E várias sindicâncias foram realizadas. Reportei o delito na 17 DP (São Cristóvão). Contratamos empresas. Questionava tanto a eficiência das empresas de segurança que, quando pedi exoneração por motivos pessoais do Zoo, eu acabei por ser convidado a trabalhar numa empresa de segurança. De 1988 a 2003, só trabalhei com empresa de segurança.



No Zoológico, posso dizer, foi o seu primeiro contato com segurança?



Carlos Sampaio: O primeiro contato (planejamento de segurança) foi no zoológico. Mas há diferença muito grande entre segurança patrimonial, pessoal e pública. A segurança patrimonial segue uma série de regras, tem medidas estáticas, cuida do que não se muda. Não tem migração de um ponto para outro. É fácil proteger uma casa. Põe sistema de alarme, câmera.. Depois, você trabalhou com segurança privada com sua empresa.



E quando estreitou a relação com a polícia?



Carlos Sampaio: No Zoo, ocorreram inúmeros roubos. Constantemente, eu estava na 17 DP fazendo registros. Uma vez brincaram que poderia haver formulário com o meu nome preenchido, de tantos registros. Esse foi primeiro contato com delegado da 17 DP, que conseguiu entender a forma com que eu trabalhava. Os cuidados com a coisa pública, a capacidade de planejar. Convidei esses delegados a passar um dia no Zoo, a conhecer o trabalho. No Zoo, você vê o trabalho por fora. O trabalho lá dentro você não tem visão. Acabei tendo ciclo de amizades. Em 2003, havia necessidade da secretaria de segurança de um planejamento operacional. Solicitado pelo Josias Quintal, se não em engano. Esse delegado da 17 DP solicitou: me dá uma ajuda aqui. Vê o que dá para fazer em nível de planejamento, em parte organizacional.


Foi um delegado, isso está claro. Mas você acabou contratado para a tarefa?


Carlos Sampaio: Virou amigo pessoal (se refere a Luiz Torres e Paulo Souto). Primeiro, quis saber o que ia fazer. Queria que eu transformasse um monte de fragmentos num texto consolidado. Isso foi o que a princípio teria que fazer. Mas não fui contratado. Foi um pedido pessoal. Nenhuma vinculação administrativa ou funcional com a Secretaria.

Qual a era a posição desse delegado na Secretaria? E porque você disse a princípio?

Carlos Sampaio: Era abaixo do subsecretário. O trabalho foi mais do que isso. Outros delegados, oficiais, que deveriam apresentar o projeto, não me apresentaram dados. Consolidei o que vinha com os meus dados, que criei. Mas como? Tive que estudar.


Você foi convidado a partir daí, em 2003? Conta..

Carlos Sampaio: Então, um funcionário concursado... não existe um concurso para a Secretaria de Segurança. O que que ocorre? Você tem a Polícia Civil, a Polícia Militar... Então, você cede... a Polícia Militar cede um policial, a Polícia Civil cede um policial, os Bombeiros cedem um profissional do Corpo de Bombeiros e, vai trabalhar na Secretaria de Segurança. Os demais cargos são cargos comissionados, são cargos de livre nomeação, qualquer do povo pode ocupá-los, seja ele de nível elementar, nível médio, ou nível superior, oficial do Exército ou oficial da PM, delegado da Polícia Civil ou Federal.


Você já chegou se apresentando como policial?

Carlos Sampaio: Não. Inclusive, quando eu fui contratado, a documentação que eu apresentei foi a minha documentação civil, a minha carteira do Detran, IFP, meu CPF, toda a documentação civil, que consta na Secretaria de Segurança até hoje.


De 2003 a 2006, você desenvolveu muito trabalho na Secretaria?

Carlos Sampaio: Nossa! Fiz muita coisa. Eu fiz... a nível de trabalho que eu desenvolvi, eu fiz o projeto de reestruturação da sub-Secretaria de Planejamento e Integração Operacional, eu fiz o projeto de desenvolvimento do Gabinete de Gestão Integrada, eu fiz as diretrizes da operação Pressão Máxima, operação Mãos Dadas, diretrizes de operações, né! Coordenei, pela sala de operações... nós tínhamos uma sala, quando foi desenvolvida a operação Pressão Máxima, em 2004. Se eu me recordo, nós criamos uma sala de operações, dentro da Secretaria de Segurança, no qual concentrava todas as informações oriundas dos Batalhões e das delegacias que atuavam na rua. Então, eu, junto com outro oficial da PM, nós dividíamos os turnos, ou... ele trabalhava num dia, eu trabalhava no outro, nós trabalhamos juntos, dependia da carga horária de trabalho...


Você dividia a responsabilidade com um militar. Já se apresentava como um militar também?

Carlos Sampaio: Eu não tinha nenhuma documentação, nunca tinha me apresentado oficialmente como militar. Não era conhecido como militar. Eu era um civil.


Com a redução dos índices na área da Tijuca, ele foi convidado pelo Comando-Geral da PM a presenciar palestras como autor da ideia. Informada do projeto, a Secretaria de Segurança convidou Sampaio para apresentá-lo a oficiais na sede da secretaria.



Ele nega a presença do secretário José Mariano Beltrame e relata o diálogo após a explanação: “Ah, olha, a Secretaria tem interesse de te contratar para você desenvolver esse projeto e tal.” — Tá, tudo bem! Mas agora eu não posso. Recusei a primeira vez, a segunda vez e, na terceira vez, quando eu vi que o projeto poderia ganhar uma divulgação maior, ele poderia surtir mais efeito. Tudo bem! Vamos lá!, eu aceitei. “Quanto você quer?”


— Me dá 2 mil aí. Poderia ter pedido 5, 6 mil.


Para dar veracidade à farsa, em 2009, ele precisava de um documento oficial.



No photoshop, providenciou a pose com quepe, farda e as gemadas de tenente-coronel. Ao deixar o gabinete e ir aos batalhões passar noites em claro, sentia a sensação de o super-herói sair das páginas.



Nos batalhões, dava ordens e ficava ao lado dos policiais na rua.



No 17 BPM (Ilha do Governador), comandou uma blitz que terminou com a morte de um homem, supostamente ladrão de automóveis. Flagrado com um fuzil M16 ao lado de um Palio, com uma poça de sangue, Sampaio acabou denunciado pelo Ministério Público por porte de arma e falsa identidade. O advogado Rodrigo Roca tem 10 dias para sustentar a defesa.


— Eu estava coordenando aquela operação, quando um indivíduo tentou furar a blitz. Ele atirou. Os policiais revidaram. Havia um homem sequestrado dentro do carro — relembra.



Na Secretaria, o ”coronel” crescia na hierarquia. Assumia a coordenação da 1ª Região Integrada de Segurança Pública.



Em agosto, como tal, Sampaio apareceu com colete que ele diz ser de Paintball em imagens na entrada do Hotel Intercontinental, em São Conrado, onde bandidos, que fizeram arrastão, estavam acuados. O Batalhão de Operações Especiais (Bope) negociava a rendição. Ele nega participação, mas admite ter entrado no saguão.


— Tirando aquela foto do cigarro, onde todo mundo comentou, a negociação não estava acontecendo na porta, estava acontecendo dentro do hotel. Antes do término da operação, eu ingressei no hotel — diz.


No mundo do faz-de-contas, Sampaio viu seu castelo de areia se desfazer no dia 14 de outubro de 2010. Saiu do prédio da secretaria para a cadeia. Admite ter errado, mas não se arrepende de jeito algum. A Secretaria informou, em nota, que descobriu a farsa, ao contrário da primeira passagem, entre 2003 e 2006. Agi errado porque me enquadrei num ilícito penal


— Agi errado porque eu não deveria me importar. Agi errado porque deixei a minha filha várias vezes nos finais de semana sem vê-la. Agi errado porque eu trabalhava 15 horas por dia. Agi errado porque tive que usar um título que não me pertence. Agi errado porque me importei. Agi errado porque me enquadrei num ilícito penal.


No cárcere, Sampaio teve conhecimento dos ataques dos bandidos na cidade, motivando a invasão do Alemão. — Eu previ. Me avisaram lá dentro e eu disse: “vão invadir o Alemão. Na segunda-feira, me olharam, riram, disseram que não apostariam nada comigo (risos)”. Enquanto aguarda julgamento, ele já sabe o que vai fazer da vida:


— Hum, Arqueologia!


Haja história...






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