sábado, 30 de abril de 2011

Beatriz da Silva Cunha, a falsa psicóloga, tratou como autista criança que não possuia a disfunção

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Herculano Barreto Filho e Marcelo Gomes
Extra

Entre as “vítimas” da falsa psicóloga Beatriz da Silva Cunha, de 32 anos, que se apresentava como especialista no tratamento de crianças autistas, havia até uma menina que não sofria do distúrbio. A criança, de 3 anos, foi tratada no Centro de Análise do Comportamento, que pertence à farsante, por oito meses.

— Procuramos a Beatriz no ano passado por causa de uma indicação da psicóloga da escola, já que a nossa filha apresenta problemas de interação e déficit de comunicação. Inicialmente, ela nos cobrou R$ 800 por um tratamento de três dias na semana. A terapia duraria seis meses. Eu não tinha esse dinheiro. Então, fiz uma contraproposta de R$ 5 mil pelos seis meses. E ela aceitou na hora — disse o pai da menina, que pediu para não se identificar.

Ao fim dos seis meses, Beatriz recomendou a continuação do tratamento, mas não estipulou um prazo.

— Isso me aborreceu. Precisei vender meu carro para custear o tratamento. Pensei até em vender o apartamento. Se fosse para escolher entre a nossa filha boa e o apartamento, eu não teria dúvida. Semana passada, levamos a menina ao neuropediatra, que atestou que ela não é autista. A Beatriz mantinha a esperança dos pais como refém dela — desabafou o pai.

A falsa psicóloga Beatriz da Silva Cunha Foto: Bruno Gonzalez/Extra

Pais de outras três crianças atendidas por Beatriz também prestaram depoimento na Delegacia do Consumidor (Decon), na Gávea, ontem à tarde. Até agora, sete vítimas já prestaram queixa.

Uma delas é um militar da Aeronáutica, pai de gêmeos autistas, que em 2009 gastou R$ 50 mil para um tratamento de seis meses. Mais uma vez, após o período inicial, a farsante disse que o tratamento deveria continuar.

O restante do período de terapia foi custeado por um convênio firmado entre a clínica da falsa psicóloga com a Aeronáutica em 2009. Conforme o EXTRA noticiou ontem, a Força Aérea pagou R$ 200.950 à clínica.

— Em janeiro deste ano, decidimos cancelar o tratamento porque os meninos não evoluíram em nada. Foram dois anos de terapia. Esse tempo perdido é irrecuperável. Para pagar o início do tratamento, precisei vender meu carro. Qualquer pai de autista vende o que tem se acreditar na cura da criança — afirmou o militar.

Ana Lúcia Brazil, mãe de uma das crianças tratadas por Beatriz da Silva Cunha Foto: Cléber Júnior/Extra

O Centro de Comunicação Social da Aeronáutica informou ontem que a clínica de Beatriz concorreu com outras duas empresas e foi escolhida porque era a que mais se enquadrava nos requisitos exigidos pela Força Aérea. O convênio foi assinado em 2009.

Já a Marinha — que conforme o EXTRA noticiou ontem pagou R$ 255.633,54 ao Centro de Análise do Comportamento — informou, em nota, que a clínica “não presta mais serviços à Marinha desde 2010, devido ao não cumprimento das exigências contratuais”. Ainda segundo a nota, as clínicas do Programa de Atendimento ao Especial são “credenciadas e a prestação desses serviços é auditada, continuadamente, por meio de visitas técnicas e da análise da documentação exigida em contrato celebrado por meio de processo administrativo”.

Embora tivesse muitos clientes com boas condições financeiras, a clínica da falsa psicóloga também atendia pessoas que não tinham dinheiro suficiente para bancar o tratamento numa clínica conceituada para autistas. Mas Beatriz arranjava um jeito para “tratar” essas crianças.

Foi o caso da analista de comércio exterior Ana Lúcia Brazil de Paula, de 37 anos. Sem dinheiro para arcar com o tratamento do filho de 7 anos, ela pensou em desistir. Mas foi convencida pela falsa psicóloga, que aceitou que ela pagasse 50% do valor das consultas, arcando com R$ 400 por mês.

Em quatro anos de tratamento, Ana Lúcia teve um prejuízo de cerca de R$ 20 mil. Mesmo assim, deixou uma “dívida” de R$ 4 mil com a clínica.

— Quando fiquei sabendo da prisão dela, chorei tudo que não chorei desde que comecei a cuidar do autismo do meu filho. Está difícil de entender o que aconteceu. Parece que está virando um pesadelo. Sinto um misto de raiva e impotência. Depois de quatro anos de tratamento, vou ter que começar do zero — disse Ana Lúcia.





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