Jorge, Há alguns dias atrás leitores do seu blog comentaram sobre a inefetividade do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que está para ser revisto, mas para piorar ainda mais a situação de insegurança da sociedade. A esse respeito, li um artigo na Folha de São Paulo, de autoria de BERENICE GIANNELLA, mestre em direito processual penal pela USP, é presidente da Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), que é bem esclarecedor. Reproduzo abaixo:
Crônica de uma morte anunciada BERENICE GIANNELLA
-------------------------------------------------------------------------------- É preciso reler o Estatuto da Criança e do Adolescente, preocupando-se menos com a socioeducação e mais com a efetivação de direitos --------------------------------------------------------------------------------
Editado no renascer da democracia brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) chega aos 20 anos. Nasceu para quebrar paradigmas, ao transformar crianças e adolescentes de meros objetos de intervenção do Estado em sujeitos de direito, vistos como prioridade absoluta nas políticas públicas. No campo da apuração dos atos infracionais, os adolescentes obtiveram o direito ao devido processo legal. A privação de liberdade passou a ser excepcional -última medida a ser adotada como resposta do Estado à prática de um crime. Das Febens então existentes, foi cobrada uma transformação, com a substituição dos grandes complexos por unidades pequenas, com atendimento individualizado e respeitoso -educativo, não repressor. Em São Paulo, desde 1999 houve a descentralização do atendimento em unidades menores, sendo construídas 47 apenas nos últimos cinco anos. Hoje, 57% dos jovens da Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) cumprem medida de internação próximos de sua família, fora da capital, em comparação aos 18% de 2005. As taxas de reincidência caíram de 29% para 12,8%. Mesmo com essa melhora, houve, de 2008 para 2010, um aumento vertiginoso nas internações, verificado também em outros Estados. De uma média mensal de 5.400 internos, saltamos, em São Paulo, para 6.600, sem que houvesse igual aumento na apreensão de adolescentes e no número de crimes graves por eles cometidos. Tenho a sensação de que, se construíssemos mais 50 unidades, todas ficariam cheias. Qual a saída? Arrisco dizer: apostar e investir pesadamente na prevenção. É preciso reler o ECA, preocupando-se menos com a socioeducação e mais com a garantia e efetivação de direitos. Toda vez que vejo a história de um interno é como se estivesse relendo "Crônica de uma Morte Anunciada", de Gabriel García Márquez. Como no romance, a trajetória de vida do nosso adolescente-padrão nos permitiria dizer, desde muito antes de chegar à Casa, que ele para cá viria. Desinteressou-se pela escola, agrediu a professora, acabou excluído da escola e do grupo e recebido de braços abertos pelo crime, onde se sentiu alguém socialmente. Passou a consumir drogas e a vendê-las. Ganhou dinheiro e garotas, foi pego pela polícia e internado. Tal qual a morte de Santiago, o início da trama antecipava o final. É preciso agir para diminuir as internações e deter a entrada do jovem no crime -com políticas sociais, atendimento psicológico e educacional eficiente-, tornando-o protagonista de sua história, incentivando-o a buscar alternativas de resolução de seus conflitos. Precisamos trabalhar com a cultura da paz e com alternativas que passem longe da privação de liberdade, muito mais custosa financeira e emocionalmente. Ironicamente, tenho dois amigos que, na adolescência, destruíram o vaso sanitário de suas escolas usando bombas. Hoje, são pais de família íntegros. Fossem jovens e pobres nos dias de hoje, seriam internados, um no Rio de Janeiro, outro em São Paulo! É hora de parar de criminalizar condutas típicas de adolescentes. E, por favor, não me crucifiquem pelo que escrevo. Apenas apelo para que todos nós façamos diferente. Vamos evitar a morte de Santiago, reescrevendo sua história.
Jorge,
ResponderExcluirHá alguns dias atrás leitores do seu blog comentaram sobre a inefetividade do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que está para ser revisto, mas para piorar ainda mais a situação de insegurança da sociedade.
A esse respeito, li um artigo na Folha de São Paulo, de autoria de BERENICE GIANNELLA, mestre em direito processual penal pela USP, é presidente da Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), que é bem esclarecedor.
Reproduzo abaixo:
Crônica de uma morte anunciada
BERENICE GIANNELLA
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É preciso reler o Estatuto da Criança e do Adolescente, preocupando-se menos com a socioeducação e mais com a efetivação de direitos
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Editado no renascer da democracia brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) chega aos 20 anos. Nasceu para quebrar paradigmas, ao transformar crianças e adolescentes de meros objetos de intervenção do Estado em sujeitos de direito, vistos como prioridade absoluta nas políticas públicas.
No campo da apuração dos atos infracionais, os adolescentes obtiveram o direito ao devido processo legal. A privação de liberdade passou a ser excepcional -última medida a ser adotada como resposta do Estado à prática de um crime.
Das Febens então existentes, foi cobrada uma transformação, com a substituição dos grandes complexos por unidades pequenas, com atendimento individualizado e respeitoso -educativo, não repressor.
Em São Paulo, desde 1999 houve a descentralização do atendimento em unidades menores, sendo construídas 47 apenas nos últimos cinco anos. Hoje, 57% dos jovens da Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) cumprem medida de internação próximos de sua família, fora da capital, em comparação aos 18% de 2005. As taxas de reincidência caíram de 29% para 12,8%.
Mesmo com essa melhora, houve, de 2008 para 2010, um aumento vertiginoso nas internações, verificado também em outros Estados.
De uma média mensal de 5.400 internos, saltamos, em São Paulo, para 6.600, sem que houvesse igual aumento na apreensão de adolescentes e no número de crimes graves por eles cometidos.
Tenho a sensação de que, se construíssemos mais 50 unidades, todas ficariam cheias. Qual a saída?
Arrisco dizer: apostar e investir pesadamente na prevenção.
É preciso reler o ECA, preocupando-se menos com a socioeducação e mais com a garantia e efetivação de direitos.
Toda vez que vejo a história de um interno é como se estivesse relendo "Crônica de uma Morte Anunciada", de Gabriel García Márquez. Como no romance, a trajetória de vida do nosso adolescente-padrão nos permitiria dizer, desde muito antes de chegar à Casa, que ele para cá viria.
Desinteressou-se pela escola, agrediu a professora, acabou excluído da escola e do grupo e recebido de braços abertos pelo crime, onde se sentiu alguém socialmente. Passou a consumir drogas e a vendê-las. Ganhou dinheiro e garotas, foi pego pela polícia e internado. Tal qual a morte de Santiago, o início da trama antecipava o final.
É preciso agir para diminuir as internações e deter a entrada do jovem no crime -com políticas sociais, atendimento psicológico e educacional eficiente-, tornando-o protagonista de sua história, incentivando-o a buscar alternativas de resolução de seus conflitos.
Precisamos trabalhar com a cultura da paz e com alternativas que passem longe da privação de liberdade, muito mais custosa financeira e emocionalmente.
Ironicamente, tenho dois amigos que, na adolescência, destruíram o vaso sanitário de suas escolas usando bombas. Hoje, são pais de família íntegros. Fossem jovens e pobres nos dias de hoje, seriam internados, um no Rio de Janeiro, outro em São Paulo! É hora de parar de criminalizar condutas típicas de adolescentes. E, por favor, não me crucifiquem pelo que escrevo.
Apenas apelo para que todos nós façamos diferente. Vamos evitar a morte de Santiago, reescrevendo sua história.