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Noites chuvosas nos deixam carentes...
Mesmo quem possui uma cama; um edredon macio; um travesseiro com cheiro de amaciante; uma TV e um computador, fica...
Ontem chovia...
Do caminho entre a garagem e minha casa presenciei uma quantidade enorme de moradores de rua...
O Rio de Janeiro talvez possua uma das maiores populações de rua de todo Brasil em função do clima que permite dormir sob viadutos sem morrer de frio...
É um problema social barra pesada...
Há uma lenda que existem tantas ONGs cariocas quanto mendigos...
Se cada um adotasse um único desvalido estaria resolvido o problema...
Quando o sujeito experimenta o último degrau de degradação humana só reergue-se com ajuda...
Sozinho não há como...
O poder público vai empurrando a responsabilidade transportando mendigos para longe dos olhares da mídia...
E eles vão trocando de lugar pela cidade...
Ao sabor do humor dos choques de ordem...
Numa das saídas do Shopping das Antiguidades em Copacabana crianças de rua se reunem diariamente depois das 22 horas...
Vira uma festa com distribuição de tinner e cola de sapateiro comprado com o dinheiro arrecadado durante o dia...
Meninas vestidas como prostitutas indicam uma dessas fontes de recursos...
Dia desses filmei este encontro com hora e local pré-determinado...
Preferi não postar...
Também não resolveria nada...
A polícia iria por lá e acabaria com o point que seria deslocado para outro local no dia seguinte...
Não resolve nada tentar assustar estes meninos que sabem que morrerão logo, só ainda não de qual forma...
Melhor fingir que eles não existam e deixá-los em paz anestesiando seus sentimentos com euforias rápidas...
Não gosto de dar esmolas...
Quando estou comendo então, fico mais irado que cachorro vagabundo...
Ontem um sujeito me observava esfarrapado...
Esperava o momento para dar o bote certeiro com o bordão odioso "Tio, desculpe incomodar"...
Quando me chama de 'Tio" já perdeu pontos significativos...
'Tio' é sinônimo de otário...
Só que...
Não me chamou de 'Tio"...
Falou que queria cinquenta centavos...
- Prá que?
- Prá intera prá comer, estou com fome...
- Mentira, se você quer para beber eu dou...
- Eu não bebo, só cheiro cola...
Enquanto remexia os bolsos observei seus restos de sapatos completamente molhados pela chuva...
Resolvi lhe dar um susto...
Dei-lhe uma nota de 20 reais:
- Quero troco, tira teus cinquenta centavos e me devolve o troco...
Desconcertado, imaginando que os 20 inteiros quase foram dele por um segundo:
- Poxa! Tá bom... Vamos trocar ali no bar... Deixa eu comprar uma coxinha? O senhor vai comigo, o cara do bar não vai acreditar que não seja falso...
- Tô brincando, é seu...
Viro as costas sem experimentar sua reação...
Escuto algo como Deus; obrigado; o senhor não sei o que...
Já na esquina contenho a curiosidade em olhar prá trás...
Melhor não...
Quantas latinhas são necessárias para chegar à 20 reais?
Quantas caixa de papelão?
Quantas humilhações rançosas quanto as minhas custam a um pedinte para ele juntar 20 reais?
Qual última vez que presenciou uma única nota de 20 inteira senão quando se arriscou a roubar a bolsa de alguma velhinha desavisada?
O que ele fará com inesperado 20 reais só dele numa solitária noite chuvosa de sábado à noite?
Talvez encha a cara...
Talvez compre um prato parrudo de angu ali na Praça da Cruz Vermelha e possa adormecer no Hotel do Garotinho de 1 real da Central ou no quartos e vagas para cavalheiros da Vinte de Abril ao invés da marquise...
Talvez simplesmente chegue a conclusão que nem tudo está perdido...
Talvez imagine equivocadamente que Deus, que ele já não crê, finalmente resolveu escutá-lo por um instante sequer...
Acho que 20 reais nem dá para devanear tanto...
Na próximo darei 100, daqui um mês...
Só de sacanagem...
Jorge Schweitzer
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Belo texto, Jorge. Parabéns! Aqui em São Paulo houve uma migração de mendigos e meninos de rua do Centro velho para a Cracolândia. A despeito das operações cosméticas de recolhê-los para o sopão da Prefeitura, o perímetro ocupado por eles vem se expandindo mais e mais. Não sei se você conhece bem a cidade, mas eles estão ultrapassando a divisa entre a região mais fabril delimitada pelo Minhocão e entrando pelo lado da Avenida Angélica e Campos Elísios. O único freio a essa expansão e multiplicação de famintos é a seleção natural malthusiana dos confrontos com o tráfico e a polícia.
ResponderExcluirFalou tudo sobre moradores de rua, é uma realidade maquiada dos nossos governantes e triste ver famílias e crianças e adolescentes e jovens maioria deles viciados em alcóol, drogas em geral prostituindo vivendo uma vida indigna e sem amaparo algum do Estado? Até quando continuaremos ver essas cenas não só no RJ todos estados brasileiros.
ResponderExcluirQuando veremos uma política séria, para essas pessoas em degradação desamparadas em todas esferas de sua vida.
Esse texto é ótimo...
ResponderExcluirE o que tem de melhor em seu blog...
principalmente quando vc faz uma combinaçao de fantasia e realidade.
abraços
AMIGO CRÍTICO