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Dois travestis fazem sinal na Rua do Riachuelo...
Ambos de calças algo ‘Gang’ cobertor curto, descobrindo a cintura até onde é possível presenciar o contraste entre o bronzeado e a marca indefectível - de biquini/esparadrapo adquirida sob a curva dos gramados da Marina da Glória - emoldurando umbigos transpassados por penduricários piercings 14 quilates, que imaginam sensuais, complementadas por tops coloridos descobrindo imensos peitos, que me remontam a devaneios transtornados do Fellini...
Apesar da cena toda estar mais para Almodóvar...
O bom-senso aconselha-me acelerar e fugir...
Enquanto o demônio da aguçada curiosidade e capacidade-ímã de me envolver em situação insólita enfia o pé no freio obedecendo meu fascínio pelo tenebroso:
- POLINTER!
- Hoje é dia de visita? '... pergunto
- Não, hoje é especial.
- Hã!?
- Posso fumar?
- Prefiro que não, o ar está ligado.
Ela(e)s confabulam ignorando-me...
Descubro-me transportando Meg and Nikita...
Bacana estes nomes inventados que vão sendo rebatizados ao sabor das novas ondas...
A loiro Meg confessa que irá visitar o bofe...
Resoluto em transpor a fronteira do perigo - correndo risco provável de haraquiri executado por mão alheia com giletes hábeis entre os dedos Kill Bill - atrevo:
- Visita especial é íntima? No parlatório?
- Não, ‘comédia’; é quando tenho que bancar de vinte a um galo para arregar o desipe-mandado para presentear láu e sucata...
- Perdão: galo é cinquenta; arregar é propina; desipe-mandado, claro, guarda penitenciário... Mas láu e sucata nunca ouvi falar...
- Láu é a comida que preparei com carinho prô meu bandido-marido e sucata é normal: lux, kolinos, escova de dente e shampoo; esses bagulhos baratos da Rede Economia... Você não entende nada; está precisando passar uma temporada na tranca...
- Não, muito obrigado; só se me ocorrer acidente inevitável de um gramunhão atravessar meu caminho...
Imaginando como o sujeito, dito bofe, deve ser sacaneado pelos companheiros de cela, não resisto e avanço destemido à caminho do desconhecido; incentivado pelo sorriso de lábios siliconados que transparecem amistosamente surpreendidos pelo meu atrevimento:
- O seu bofe deve ser muito zoado por namorar uma mulher paraguaia, pelos irmãos de cela? Com todo o respeito pela opção de ter uma companheira multissexual que parece fiel e bacana...
- Que nada, ninguém zoa um 12: ele é o cara; é sinistro...
- Doze?
- Tá vendo... Você de novo... Doze é tráfico pesado, chofer...
Meus instintos mais primitivos, como diria o Jefferson, alavancados pelo bisbilhoteiro hibernado, que eu desconhecia, sacudidos a acordar talvez incorporando um Leão Lobo enfurecido ou um Nelson Rubens ok, ok, não me permitem finalizar a entrevista informal:
- Se lá tem superlotação... Como dorme seu príncipe encantado dono do pedaço?
- Ele é cadeeiro velho: dorme na comarca, os bundão dormem de valete...
- Valete?
- Um de costas prôs outros... Na cadeia neguinho não dorme de bruços; além do segundo andar que são as redes penduradas nas grades; mas o meu dorme na cama de concreto encima de um colchão bombril que levei prá ele.
- Pô, mas com tanta gente, como é que vocês ficam à vontade?
- Só no ratão... Que claro, você vai perguntar 'o que é?'... É o banheiro da sala de visitas que serve de parlatório pra gente dar beijo na boca.
Envolvido pelo desvendar mondo-cane não consigo imaginar porque o outro travesti adolescente acompanha o mais, digamos, experiente:
- A biba tá vindo junto pra eu apresentar para um outro irmão que foi abandonado pela mapôa penosa dele que achava que era de fé... Ele está o Ó!
Jorge Schweitzer
PS: Este texto é muito antigo... Foi censurado junto com todo meu blog no spaces live da Microsoft... Um leitor me enviou, ontem, querendo saber se poderia reproduzir em sua página... Curioso esta coisa de pessoas guardarem determinadas crônicas que não existem mais na Rede e nem eu tive cuidado de guardar... Muito legal...
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