Médica legista Maria Ângela Zucchetto: 'A gente veste uma armadura'

‘Não podemos vacilar, a gente veste uma armadura’, conta responsável pela perícia da tragédia em Santa Maria 


Luã Marinatto 
Extra/Globo


"Tenho 25 anos de medicina legal. Jamais imaginei passar por um negócio desses". 

É assim que Maria Ângela Zucchetto, responsável pela 5ª Coordenadoria Regional de Peritos, descreve o cenário pós-incêndio na boate Kiss. 

Ela é a supervisora de todo o serviço de perícia da tragédia. 

Maria Ângela não está sozinha. 

Não por acaso, o Departamento Médico-Legal da cidade tem apenas duas mesas de necrópsia, além de outros dois lugares na câmara-fria. 

O trabalho de identificação e reconhecimento dos 231 mortos na tragédia precisou ser feito no Centro Esportivo Municipal. 

- Houve momentos em que eu olhava e tinha vontade de me desesperar junto com os familiares. É uma coisa muito triste, mas não podemos vacilar. A gente veste uma armadura. Você não pode ficar emotivo, porque aí o trabalho não anda - conta Maria Ângela, de 53 anos. 

Com os pés fincados, por necessidade, no profissionalismo, a médica-legista só viu a ficha cair ao tomar café da manhã, ontem, depois de horas lidando com as vítimas ao longo de todo o domingo. 

- Vi que o governador tinha chorado, que a presidente Dilma tinha chorado... Foi aí que acabei chorando também - diz Maria Ângela, categórica: 

- Você não tem noção do que é se não está lá. 

Para a perícia no interior da boate, foi preciso convocar funcionários de Porto Alegre, com mais experiências em incêndios de grandes proporções. Já a identificação dos mortos foi feita por 13 legistas, entre profissionais de Santa Maria e de várias cidades próximas. 

- A cena que mais me marcou foi a da última vítima reconhecida. O desespero de uma parente, talvez já pela esperança de que ela não estivesse entre os mortos... Foi uma cena horrível. São imagens que eu com certeza nunca mais vou esquecer - garante a médica-legista.