Carnaval carioca: uma platéia de turistas assistindo outros turistas a desfilar

Excluindo os componentes da bateria e ala das baianas das Escolas de Samba do Rio de Janeiro a esmagadora maioria dos figurantes são pessoas que moram em outros Estados ou fora do Brasil...

Virou um comércio exterior...

As pessoas compram as fantasias pela Internet e chegam no Rio de Janeiro no dia do desfile e vão embora no após...

É possível até parcelar no cartão de crédito depois de escolher a ala...

Antes da crise mundial era um enxurrada de americanos e japoneses...

Neste ano existem menos gringos, assim no ano passado...

Mas predominam paulistas...

Nem sei avaliar se negativo ou positivo...

Porém é estranho...

A cultura do carnaval carioca seria integrantes de comunidades pobres vestidos de reis e rainhas a impressionar a burguesia na arquibancada...

Virou uma platéia de turistas assistindo outros turistas a desfilar...

Curioso como a TV Globo não capta esta realidade e continua sugerindo que se trata de manifestação de raiz...

O Pânico ou o CQC deveriam fazer uma amostragem para comprovar esta inversão cultural...

Ah, sim...

Não posso deixar de contar esta...

Ontem pela manhã apanhei dois rapazes ali na Rua do Riachuelo...

A caminho da Rodoviária Novo Rio...

Paulistas da capital...

Desfilaram pelo Salgueiro no domingo para segunda...

O primeiro acomodou restos de fantasia no banco de trás ao lado de seu companheiro...

Ao sentar ao meu lado avisou que tinha uma nota de cinquenta reais caída no tapete atrás do meu banco...

Achei que estava de sacanagem...

Seu parceiro olhou, olhou e não encontrou...

- Não estou brincando... - reafirmou

Páro o carro e passo a mão tentando catar o que acredito ser um papel confundido com...

Que nada, era uma nota de cinquenta mesmo...

- Cara, tu é muito honesto... Parabéns...

Para dizer a verdade não sei se era minha, eu havia manuseado dinheiro pouco antes deles embarcarem e separei duzentos reais num envelope...

Como nestes dias de carnaval a gente trabalha tanto é possível que seria minha mesmo...

Fiquei impressionado do camarada ao invés de simplesmente pegar a nota resolver me comunicar...

Um deles me conta que perdeu uma nota de 50 euros semanas atrás em Paris e ficou tão irritado que perdeu o humor por dois dias embora o valor não fizesse tanta diferença no total do pacote turístico...

Realmente é péssima a sensação de perda idiota por desatenção...

Sem falar nada, ligo o taxímetro já com a intenção de não cobrar a corrida...

É proibido andar com o relógio desligado e a fiscalização se pegar cria problemas mesmo se o passageiro for parente...

Ao chegarmos na Rodoviária eles se recusam a aceitar a gentileza...

Daí também não...

Me sinto na obrigação de retribuir de alguma forma comportamento gentil inusitado que já não existem mais...

- Poxa, depois do senhor encarar um engarrafamento destes e ficarmos uma hora tentando parar um táxi sem sucesso não é justo...

- Se vocês não aceitarem vou chamar um policial e comunicar a descortesia...

- A gente chega no Rio cheio de medos de violencia, assalto e motoristas de táxis malandros e fomos tratados de forma tão bacana que dá vontade de morar aqui prá sempre...

- O Rio de Janeiro é o paraíso terreno, amigo... Por aqui existe até paulista que acha nota de cinquenta e me devolve sem achar que fez nada demais...

Enquanto ajudo a retirar sacolas um carro preto com quatro jovens estaciona ao lado pedindo informação de como chegar a Santa Teresa...

- É só me seguir; se eu não apanhar ninguém no caminho deixo vocês nas imediações...

Realmente é quase impossível encontrar atalhos para driblar as imediações do Sambódromo de ruas interditadas em função de carros alegóricos empurrados a partir da Cidade do Samba entre a Gamboa e Santo Cristo...

Depois de cruzar todos caminhos parcialmente obstruídos chegamos ao Terreirão do Samba...

Um mar de mãos acenam a procura de meu táxi...

Páro para um casal idoso do final da fila para não correr risco de ser linchado...

Destino Rua Gomes Freire...

O carro preto meu comboio me ultrapassa...

Dali prá frente é só seguirem a Rua do Riachuelo até os Arcos da Lapa...

Acenam e buzinam fazendo um esporro...

Finalmente olho a placa do carro deles...

Sorocaba, SP...

Mais um pouco me torno cidadão paulista honorário...

Se até o Zina conseguiu sem fazer nada...

Por que não?

Tô dentro!




Jorge Schweitzer